tag:blogger.com,1999:blog-23624295970828969192024-03-05T11:29:26.250-08:00A Folha do GragoatáDesde 2012, o melhor jornal de NiteróiA Folha do Gragoatáhttp://www.blogger.com/profile/07874333324714201901noreply@blogger.comBlogger73125tag:blogger.com,1999:blog-2362429597082896919.post-79400066413960761672016-10-05T14:57:00.002-07:002016-10-11T07:50:11.621-07:00Edição de 2016<div dir="auto">
Nesta edição:</div>
<div dir="auto">
<a href="http://afolhadogragoata.blogspot.com.br/2016/09/carta-do-editor.html" target="_blank">1 - Carta do Editor</a></div>
2<a href="http://afolhadogragoata.blogspot.com.br/2016/09/o-estado-do-bem-estar-social-e-de.html"> - O estado do bem-estar social é de esquerda? Por Celia Lessa Kerstenetzky</a><br />
<a href="http://afolhadogragoata.blogspot.com.br/2016/09/por-que-deveriamos-nos-interessar-mais.html" target="_blank">3 - Por que deveríamos nos interessar mais pela filosofia dos sofistas? Por Luís Fellipe Bellintani Ribeiro.</a><br />
<a href="http://afolhadogragoata.blogspot.com.br/2016/09/schneider-beira-mar-schneider.html" target="_blank">4 - Schneider à beira-mar - Schneider</a><br />
<a href="http://afolhadogragoata.blogspot.com.br/2016/09/um-nobel-para-o-jornalismo-matheus.html" target="_blank">5 - Um Nobel para o jornalismo - Matheus Torreão</a><br /><br /><a href="http://afolhadogragoata.blogspot.com.br/2016/09/sarabande-antonio-kerstenetzky.html" target="_blank">6 - Sarabande - Antonio Kerstenetzky</a><br />
<div dir="auto">
<a href="http://afolhadogragoata.blogspot.com.br/2016/09/under-skin-beatriz-reis.html" target="_blank">7 - Under the Skin - Beatriz Reis</a></div>
A Folha do Gragoatáhttp://www.blogger.com/profile/07874333324714201901noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2362429597082896919.post-23394603283085552092016-10-05T14:46:00.000-07:002016-10-05T15:18:49.665-07:00Carta do EditorCaro leitor,<br />
<br />
Esta deve ser, ao que tudo indica,<br />a edição de despedida da Folha do Gragoatá. Nossa equipe se graduou ou está se formando, tirando seu peso de cima da Folha que, levinha, deve flutuar impelida pelo vento, sozinha na internet. Como de hábito, incluímos nesta edição dois textos de professores convidados, além de várias preciosas contribuições de alunos.<br />
<br />
Um convidado é o professor Luís Fellipe Bellintani Ribeiro, professor de Filosofia Antiga na UFF. Bellintani é um dos maiores especialistas brasileiros na filosofia dos sofistas. Seu texto dedica-se a tarefa aparentemente paradoxal: dado que, defende, a política se disputa no terreno da opinião, como podemos fundar, com a fala, convenções que nos levem a termos uma boa vida em comunidade? Bellintani propõe que o pensamento de alguns sofistas deve servir de respaldo para a intervenção pública nos dias de hoje. Sua provocadora proposta tenta unir, no mesmo sopro, as bandeiras do multiculturalismo e dos direitos humanos – difícil casamento que continua a ser um dos grandes desafios da esquerda contemporânea.<br />
<br />
O artigo de nossa outra convidada, Celia Lessa Kerstenetzky, professora de Economia na UFRJ, é justamente um tal tipo de intervenção: Kerstenetzky defende a adoção de políticas públicas voltadas à criação de um Estado do Bem-Estar como a melhor forma de promover tanto o crescimento econômico quanto a maior possível redução das desigualdades. Os<br />adversários desse tipo de Estado costumam estar à direita do campo político: defensores do mercado como instituição capaz de resolver os problemas sociais. No ICHF, no entanto, grande parte dos detratores da socialdemocracia (não confundir com o PSDB) estão à esquerda destas propostas, defendendo que só o fim do capitalismo de fato representará uma melhoria substancial na qualidade de vida dos mais pobres. Em alguns casos mais radicais, que as reformas sugeridas por Kerstenetzky suavizariam a luta de classes, impedindo que este “motor” da história fizesse o que fará eventualmente e acabaria com a ordem burguesa. Sendo assim, a pergunta que fiz à professora, e que motivou seu texto, foi “O Estado do Bem-Estar é de esquerda?”. Sendo difícil dizer o que quer dizer “ser de esquerda”, a professora devolve a pergunta o leitor. Com uma apresentação do que é esta forma de Estado, ela parece dizer – se não é isto, o que deseja alguém que se diz de esquerda?<br />
<br />
Com relação aos artigos de alunos, há, como sempre, grande variedade de intervenções – do texto de vários ritmos de Schneider à crítica de cinema de Beatriz Reis, passando pela atividade jornalística de García Marquez. Com isso, pensamos em dar um fim digno a este projeto, tocado para ajudar a dar cor a nosso querido Instituto de Ciências Humanas e Filosofia. Nosso muito obrigado aos professores que nos ajudaram com suas contribuições e divulgando o jornal; e aos alunos que nos enviaram seus escritos e por vezes perguntavam quando sairia, finalmente, a próxima edição.A Folha do Gragoatáhttp://www.blogger.com/profile/07874333324714201901noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2362429597082896919.post-88287110953606140002016-09-29T16:30:00.004-07:002016-10-05T15:21:52.584-07:00O estado do bem-estar social é de esquerda? - Celia Lessa Kerstenetzky<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiSnS38UrlUefFivO6EjOGg0dLXDajNxb2ptjZrWnwDKpxuhZ82arBJIkoMGXoo8bHGphwYnEHREYSDajf9-hE89_4qb8cuT5gX0Vyo9P0rcjY4AaK7jJszdizXPF2xWo1EJO0T5zd-rNA/s1600/mamae.jpg"><img height="200" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiSnS38UrlUefFivO6EjOGg0dLXDajNxb2ptjZrWnwDKpxuhZ82arBJIkoMGXoo8bHGphwYnEHREYSDajf9-hE89_4qb8cuT5gX0Vyo9P0rcjY4AaK7jJszdizXPF2xWo1EJO0T5zd-rNA/s200/mamae.jpg" width="145" /></a>Celia Lessa Kerstenetzky é professora titular de economia da UFRJ. É eminente pesquisadora do estado do bem-estar social, tendo publicado em 2012 <em>O Estado do Bem-Estar Social na Idade da Razão</em> pela Editora Campus. Este artigo foi escrito em 2013.<br />
<br />
<div class="custom-html-block">
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O título-tema desta
nota me foi sugerido pelo editor da Folha. A mente paranóica, típica dos
acadêmicos, logo se viu cercada de perguntas prévias, a mais ameaçadora: o que
é ser de esquerda? Para me limitar a apenas um problema (e três páginas), resolvi
ignorá-la por ora. Apostei: todo mundo sabe o que é ser de esquerda, o difícil
é dizer. Então, leitor, devolvo a decisão a você. Vou aqui apresentar uma
narrativa sobre esse experimento político centenário conhecido como estado do
bem-estar social, ou, por concisão, estado social, e você decide se é de
esquerda ou não.<br />
<br />
A mais sugestiva
metáfora para dar conta dessa invenção política foi concebida pelo pensador
austro-húngaro Karl Polanyi, em seu livro sobre a violenta gênese do
capitalismo moderno, A Grande Transformação. O livro escrito em 1944, quando
tudo parecia dar errado, reflete o enigma do tempo: como chegamos até aqui?,
quais as forças do caos? que antídotos possíveis? Entre os fios do enorme
emaranhado, Polanyi puxa o capitalismo, a economia concorrencial de mercado que
não conhece limites, visto por ele como um sistema que preside à mercantilização
de tudo. Não apenas das coisas que produzimos e de que não necessitamos, mas
também dos meios que utilizamos para as trocas, o dinheiro, e mais além, da
própria natureza e, portanto, dos recursos de que nos valemos para produzir
coisas que acontecem ser também o ambiente natural em que vivemos, e finalmente
da própria substância humana das sociedades, quando o trabalho, atividade
humana, deve ser vendido e comprado. <br />
<br />
Financeirização, essa animização
do dinheiro que o desvencilha da utilidade social, predação ambiental que
desconhece valores não monetários, alienação e exploração do homem pelo homem, são
patologias que decorrem da substituição das formas tradicionais de
sociabilidade e solidariedade, familiares e comunais, pela forma mercado. Se ainda
estivesse entre nós, Polanyi se espantaria das novas fronteiras da
mercantilização, que coloniza emoções, formas de entendimento, linguagem, relações
interpessoais, relações internacionais, necessidades, aspirações, órgãos do
corpo humano, educação, saúde, cultura, semeando o domínio das normas e
práticas sociais e das políticas de governo com a praga irreprimível dos
incentivos monetários. <br />
<br />
Voltando à metáfora, Polanyi
observou então que esse movimento violento não se deu sem resistência, o que
ele chamou de “autoproteção da sociedade”. Trata-se das tentativas sensatas,
desesperadas, espontâneas, organizadas, violentas ou calmas, de violar o regime
de mercado, e com graus variados de sucesso. A reação se deu de muitas maneiras,
seja pela introdução de melhorias sociais por parte de governos temerosos de
revoluções sociais, seja por respostas de governos a lutas dos trabalhadores e
outros segmentos, e em várias intensidades, de forma politicamente organizada
ou espontânea, se traduzindo em demandas sociais por e para grupos específicos
ou mais abrangentes. As contestações se dirigiram ao Estado, âmbito possível,
poder-equivalente, do contraponto ao mercado, disputando sua identidade e questionando
sua responsividade. <br />
<br />
Não se tratou então de
repor o mundo perdido, de famílias estendidas e comunidades tradicionais e suas
formas de hierarquia. Vários ideários socialistas, democráticos e não democráticos,
tiveram sua gênese nesse movimento. Foi na esteira da reação autoprotetora da
sociedade, de pressões pressentidas ou de fato sofridas, que emergiram no
século XX as leis trabalhistas, os direitos à previdência e assistência, saúde,
educação e cultura, a legislação ambiental, as regulamentações ao funcionamento
do mercado, inclusive financeiro. O estado-Leviatã, da ordem a todo custo, é
revogado por um estado social, novo patamar mínimo inegociável da vida em comum
em uma sociedade de mercado. Estados sociais robustos, em contraposição a
estados-poder, são também menos propensos a conflito aberto.<br />
<br />
O estado social emerge
então dessa contra-‘grande transformação’. Mas ele não foi e nem é um monolito.
Em sua variedade na superfície do mundo, ele é maior ou menor, mais
assistencial ou mais redistributivo, mais atento a manutenção de status
diferenciados ou à universalização de condições entre os cidadãos. Essas que
foram divisões definidoras da variedade existente de estados do bem-estar
recobrem significados mais profundos. Não apenas reações variadas a
reivindicações de solidariedade e igualdade, como também distintos ímpetos
transformadores e emancipadores. Será ele apenas um apêndice das sociedades de
mercado, buscando discipliná-las, ou conterá a semente da transformação em
direção a novos horizontes de direitos e reconhecimento, novos sentidos de comunidade
política? <br />
<br />
Teremos, por razão de
espaço, de deixar de lado a variedade de experiências realmente existentes e
considerar aquelas que se aproximam do horizonte de possibilidades aberto pelo
estado social. Refiro-me ao experimento levado a cabo nos países do norte da
Europa. A partir de uma concepção ampla de estado do bem-estar, universalista e
igualitário no que se refere a direitos políticos e sociais, cuja condição de
recebimento é unicamente o pertencimento à comunidade política, mas cujas
obrigações de moralidade pública ultrapassam esse âmbito (são os países que no
geral mais doam recursos a países pobres e os que mais recebem imigrantes),
esses países se notabilizam por vários sucessos. E também por nos fazer
vislumbrar novos problemas de sociabilidade e provocar nossa imaginação. <br />
<br />
Entre os sucessos estão
os menores níveis de desigualdade econômica e social do mundo conhecido, a
eliminação da pobreza absoluta e os menores níveis de pobreza relativa. Estão
também os melhores indicadores de equidade de gênero (a mais equilibrada
divisão de trabalho pago e não pago entre homens e mulheres) e respeito e reconhecimento
de diferenças (são países onde o casamento gay, no civil e no religioso, é reconhecido),
e também as maiores realizações em sustentabilidade ambiental. Helsinque é uma
cidade que se projeta hoje para um futuro sem automóvel. Copenhagen, uma cidade
em que metade dos habitantes se desloca em ciclovias. Os indicadores de
qualidade da democracia e satisfação com o trabalho também se destacam. A
combinação de intensa participação e densa representação nessas democracias faz
com que sejam os países com a menor incidência de poder despótico do Estado e
maior experimentação na concepção de políticas públicas. É elevado o grau de
associativismo, o mais alto do continente europeu. A satisfação do trabalho, em
parte, corresponde ao inovador experimento de autonomia dos trabalhadores no
que diz respeito a decisões relevantes no processo de trabalho, que caracteriza
mais da metade dos empregos industriais dinamarqueses. Em parte, à forte
densidade sindical. <br />
<br />
Centenas de
instituições públicas conspiram em favor desses resultados e certamente também
uma cultura pública que as revigora e secunda, que não nasceu pronta, mas
decantou da longa experiência, e teve origem em deliberada engenharia política,
concebida e conduzida pela socialdemocracia. Na origem, o compromisso era cobrir
a maior quantidade possível -- com a maior generosidade possível e para a maior
comunidade possível -- dos riscos sociais a que se expõem os cidadãos em uma
sociedade de mercado, entremeando as vidas de todos por vínculos solidários, na
contramão da mercantilização. Essa cobertura é assegurada por pesada
tributação, com alta progressividade. Na prática, isso tem significado a
socialização de boa parte da riqueza gerada nesses países, bem como a
socialização do consumo, sob a forma do consumo conjunto de bens públicos como
escolas, hospitais, postos de saúde, museus, parques, transporte coletivo. A
resultante socialização democrática de riqueza e consumo (mais consumo público
que privado) e acomodação de múltiplas formas de vida repercutem a ambição de
encontrar uma espécie de quadratura do círculo: igualdade, liberdade, democracia,
bem-estar, sustentabilidade, reconhecimento, comunidade.<br />
<br />
Na competição por
mundos sociais alternativos, o estado do bem-estar social democrata é
competidor sério, com a vantagem, em relação a experimentos já realizados, de
enfrentar aspiração mais difícil e por isso mais valiosa: a conciliação de
valores caros, no sentido não mercantil do termo, e a abertura para desafios e
exercício permanente da imaginação. <o:p></o:p></div>
</div>
A Folha do Gragoatáhttp://www.blogger.com/profile/07874333324714201901noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2362429597082896919.post-29753148410248332062016-09-29T16:30:00.003-07:002016-10-05T15:20:39.811-07:00Por que deveríamos nos interessar mais pela filosofia dos sofistas? - Luís Felipe Bellintani Ribeiro<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg0mGLyihf5ckG28izrw-WDZfXaOLyTnWPYLdE61-F5ieh-P-AmbF4ZUNCMvEfEL2m12FGOGvzyoh9Nl2DcY34iCrLme6dEI-VdOwXo9Cb1E3Wr2C1ZEQ7iilZ5Q49e2TEtAymeqIyr-_A/s1600/Bellin.jpg"><img height="200" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg0mGLyihf5ckG28izrw-WDZfXaOLyTnWPYLdE61-F5ieh-P-AmbF4ZUNCMvEfEL2m12FGOGvzyoh9Nl2DcY34iCrLme6dEI-VdOwXo9Cb1E3Wr2C1ZEQ7iilZ5Q49e2TEtAymeqIyr-_A/s200/Bellin.jpg" width="151" /></a>Luís Fellipe Bellintani Ribeiro é professor do departamento de Filosofia da UFF. É uma das maiores referências brasileiras no estudo dos sofistas da Grécia Antiga. É autor de <em>Filosofia e Doxografia: O Artefato Antifonte</em> (2015) e publicou, como tradutor e organizador, obras de Aristóteles, Antifonte e do Anônimo de Jâmblico.<br />
<br />
A
filósofa brasileira contemporânea Ivana Bentes cunhou uma expressão simples
para dizer o <i>páthos</i> (a disposição de
humor pela qual se é afetado) em que atualmente se insere sua complexa
atividade pensante e falante: “o tédio da erudição”. Imagino que outros
eruditos ou aprendizes de eruditos sintam simpatia por esse <i>páthos</i> e, sem necessariamente prejuízo
de sua atividade de erudição, se coloquem outros desafios quanto ao que fazer
com suas filosofias. Estudar Grego Clássico e História da Filosofia Antiga é um
labor altamente recomendável, mas mais para aprender a falar o português do
futuro, do que para se tornar um juiz autoproclamado do correto discurso sobre
o passado.<br />
<br />
Nesse
espírito e cientes de que em filosofia todo perguntar e responder nunca exaurem
a questão, mas antes alargam-lhe o escopo de interrogação, coloquemos sem mais a
pergunta que Foucault corretamente considera ser em todo tempo a pergunta
número um da filosofia: o que está acontecendo no mundo agora? <br />
<br />
Para
início de conversa, convenhamos que, em um mundo como o nosso, em que Publicidade,
Mídia e Direito têm a importância que têm, e que de resto é “tão pouco
platônico”, como constata Kerferd nas palavras de Cassin, ninguém está em
condições de dar lições de moral à sofística. Todos sabem que aquele ator de
novela não usa na vida real o produto que na propaganda recomenda usar, mas
essa falsidadezinha segue inofensiva no dia-a-dia das pessoas, o ator passa a
ser até mais admirado e o consumo do produto aumenta no final das contas (o
sofista Górgias: “o que iludiu é
mais justo do que o que não iludiu, e o iludido é mais
sábio do que o não iludido (...), pois o que se deixa prender mais facilmente pelo prazer das palavras
não é insensível.”). <br />
<br />
Talvez
haja um domínio em que seja possível falar de uma ciência (<i>epist<u>é</u>m<u>e</u></i>) diferente de uma simples opinião (<i>dóxa</i>), o da matemática e das ciências
formais em geral, e o da natureza que se deixa descrever matematicamente, e a
Física, genuína ontologia realista da atualidade, está aí para sugeri-lo. Mas
no domínio da política, isto é, de tudo que se diz e faz na praça pública, o
que inclui o domínio da ética, da religião e da cultura em geral, pois as
pessoas vão cheias de ética, religião e cultura para a praça pública, pergunto:
há alguma possibilidade de distinguir no meio das <i>dóxai</i> um discurso especial a título de <i>epist<u>é</u>m<u>e</u></i>? Não, não há, só há <i>dóxa</i>, a menos que se queira incorrer de novo no erro ego- e
etnocêntrico de confundir a opinião própria com a verdade universal.<br />
<br />
A
famosa máxima do sofista Protágoras, “o homem é a medida de todas as coisas, do
ser das que são e do não-ser das que não são”, não tem nada a ver com respaldo
à posição antropocêntrica, mas, ao contrário, vale como uma advertência para
toda vez que se for tomar sem mais as coisas relativas ao homem como se fossem as
coisas em si mesmas. Mesmo que se compreenda o homem da frase como a espécie
humana, ela não incorre neste especismo. Quando Sócrates no <i>Teeteto</i> conclui, da argumentação
atribuída a Protágoras, que o porco e o cinocéfalo, dotados de sensação, também
seriam medida das coisas, o Protágoras encenado por Sócrates retruca que as
percepções do homem não são mesmo mais verdadeiras e reais que as do porco e do
cinocéfalo, apenas melhores, segundo uma escala de valores já certamente
decidida no âmbito da lei convencionada. A frase de Platão nas <i>Leis</i>, “deus é a medida de todas as
coisas”, é que é antropocêntrica”, pois deus, entendido como inteligência e
potência teleológica, a qual deveria então governar toda a natureza, é que é
criação à imagem e semelhança do homem.<br />
<br />
Se
o homem da frase é interpretado como o indivíduo (essa é a principal
interpretação no <i>Teeteto</i>), ela aponta
então para uma verdade universal: não há aparição do real para fora da
percepção por um indivíduo, toda aparição é de saída enviesada, e nesse pé de
igualdade não há como uma perspectiva pretender ser acesso privilegiado ao real
mais que as outras, todas são de saída absolutamente reais. Quem diz o que é ou
não? Todos e ninguém. Ou cada um a cada vez em sua oportunidade própria.<br />
<br />
Se
o homem da frase é interpretado como o conjunto dos cidadãos de uma
Cidade-Estado (<i>pólis</i>) determinada,
interpretação citada <i>en passant</i> no <i>Teeteto</i>, mas provavelmente mais próxima do
pensamento de Protágoras, então temos agora proclamada não a igualdade de todos
os indivíduos humanos e até viventes no tocante a serem medidas do ser, como
antes, mas a própria tese do relativismo cultural, esse ambíguo bônus
civilizatório do Ocidente. É mesmo somente no interior de uma cultura
determinada com uma língua materna determinada que o ser pode aparecer pela
primeira vez. Nenhum indivíduo fala uma língua idiota, só sua. O mínimo nesse
domínio, o idioma, já é instância compartilhada coletivamente. No âmbito de uma
sociedade, por mais que os indivíduos discordem e sejam diferentes, há uma concordância
maior de fundo, manifesta na pretensão espontânea e recíproca de significar
sinonimamente as palavras da mesma língua, ainda que para enunciar posições
diferentes sobre o então mesmo mundo compartilhado.<br />
<br />
O
relativismo não tem nada a ver com a tese frouxa de que cada um pensa, diz e
faz o que quer. Tem a ver com as teses rigorosas de que o ser não aparece senão
articulado em alguma relação, e de que todo homem não tem como fugir da
condição trágica de ser medida das coisas e de ter de decidir, diante da
contradição, e malgrado eventual equipolência, por um de seus polos, só lhe
restando a possibilidade de querer retrospectivamente o que já pensou, disse e
fez. <br />
<br />
Entendida
como uma construção sofística no contexto polifônico da Cidade Grega (“o
sistema mais tagarela de todos”, nas palavras de Burckhardt), a república de
Platão é uma das coisas mais geniais que o Ocidente já produziu. Levada ao pé
da letra, isto é, como se além da letra houvesse uma realidade mais real que a
letra, como se fosse mais que um paradigma no céu construído pelo <i>lógos</i> (discurso) com mentiras úteis, é,
no menos daninho dos casos, uma boa base erudita para o pequeno dono-da-verdade
que mora em cada um de nós se sentir em paz com seus inconfessáveis instintos
elitistas e excludentes. No mais daninho dos casos, o sentimento autocentrado
de identidade entre a lei positiva e a lei moral torna-se coletivo e expansionista
e estende-se a intervenções materiais no mundo. O lastro metafísico que toda
lei moral tem de ter para pretender ser mais que lei positiva – afinal de
contas, pretender saber como a natureza efetivamente é, isto é metafísica – é
que permite aproximar essa posição, no limite da exacerbação, da teocracia.<br />
<br />
A
república de Platão é genial mas não é completa. Falta-lhe a versão
antilógica. Que os homens nascem diferentes, como está dito no exato princípio
da república de Platão, isso é uma verdade, mas não é uma verdade completa. Os
homens também nascem iguais, como diz o sofista Antifonte, pois todos caminham
com os pés e seguram as coisas com as mãos, e isso não é pouca coisa, mas
exatamente a parte de natureza no homem. Para onde os homens caminham ou que
coisas seguram nas mãos talvez sejam questões já inteiramente do reino do <i>nómos</i> (lei, convenção não-natural), esse
reino gigantesco feito todo de linguagem, que enche de significado as cores e
formas que afluem pela sensação formando assim pela primeira vez as coisas
reais. Se é verdade que a questão ontológica da realidade das coisas não se
resolve fora do âmbito do <i>nómos</i>, vale
dizer, da cultura e da política, então não adianta justificar sua cultura e sua
política baseado em alguma pretensa realidade prévia.<br />
<br />
Poderíamos
acrescentar à lista de Antifonte, que todos os homens, uma vez nascidos, tendem
a perseverar no ser e a lutar para preservar sua integridade, característica,
aliás, compartilhada até com as baratas. Isso é só uma constatação sobre o
nascimento do que nasce, isto é, da natureza. Não há nenhum direito humano aí,
nem em nenhum outro lugar do universo natural. Mas deste material linguístico, uma
asserção em palavras que se autoproclama “constatação”, um bom retor pode
começar a produzir um valor de igualdade e ganhar a adesão de seu auditório. Se
o auditório vier a ser a assembleia dos cidadãos o valor pode se tornar lei.
Essa é uma das formas de intervenção mais efetivas da linguagem no real. No
mundo ideal, a lei provém de um consenso pré-legal espontâneo, que torna o
juramento de obediência às leis um voluntário assentimento. Num mundo menos
perfeito, a lei, respaldada num parcial e circunstancial consenso de maioria, ao
contar com o aparato coercitivo do Estado, ao menos evita que determinadas
intervenções concretas no mundo se realizem, a despeito do que se passe nas
consciências dos seus agentes. Se não é possível convencer os etnocêntricos das
vantagens cognitivas e morais do multiculturalismo, que ao menos haja leis para
coibir os efeitos reais da arrogância etnocêntrica. Ainda que muitos continuem
a fazer piada dos direitos humanos, que ao menos esse valor ganhe algum dia
estatuto de lei, e passe a contar com o aparato coercitivo do Estado. Trata-se
de um desejo que não se pretende respaldar metafisicamente em nenhuma natureza,
que, ao contrário, se reconhece pura fabricação de linguagem e apenas busca
formar consenso.<br />
<br />
A
conversa continua.<o:p></o:p>A Folha do Gragoatáhttp://www.blogger.com/profile/07874333324714201901noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2362429597082896919.post-58795866102414262232016-09-29T16:11:00.005-07:002016-10-05T15:22:10.670-07:00Schneider à beira-mar - Schneider<div class="custom-html-block">
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
1. Ele saiu por volta das três da madrugada, achou um bar aberto, entrou e pediu uma cerveja ao homem do outro lado do balcão. Seu senso de verdade e humanidade estavam confusos. Isso porque, nos últimos
dois dias, passou pelo inferno de perto: descobriu-se portador de depressão (embora ele já sabia disso e só não queria admitir) e, ao mesmo tempo, teve uma crise de identidade: ele é cristão <i>e</i> t<span class="textexposedshow">em vício em pornografia. Sentia-se
contraditório e perdido, e não suportando mais, decidiu sair na madrugada em
busca de silêncio para alma. Sendo o único cliente naquele momento se permitiu
pedir uma música. Escolheu “Shy” do Sonata Arctica (pelo menos era o que
parecia em meio aos tons menores tristes e gostosos da música). Essa música
fala aos corações...</span><br />
<span class="textexposedshow"> O
simples começar da música não lhe aquietou o coração, mas o fez refletir. Sua
mente pensava em como chegara a tal estado... Um jovem, 23 anos, nascido no
melhor dos mundo, com todas as regalias possíveis. Um prodígio de seu tempo,
exímio pianista e <i>piedoso</i>... Que um
dia, numa tarde solitária, adentrou no que não lhe convinha (podemos até
pensar: “comeu do fruto que lhe fora dito para não comer”) e desse <i>estado </i>não mais saiu. Toda a construção
ruiu – melhor dizer: vem ruindo desde aquele dia. Seus impulsos passaram de
momentâneos a correntes ligadas a sua coluna vertebral. Ele é arrastado pelo
seu desejo como um animal de savana capturado para um circo. Comparação muito
forte? Absolutamente; ambos são parecidos: perderam sua liberdade e foram
capturados pela curiosidade. Enfim, no momento uma questão perpassa todos esses
fatos revisitados pela sua psique entorpecida: “quando foi que eu me perdi”.</span><br />
<span class="textexposedshow"> A
música termina e o pensamento continua a lhe incomodar. Decidiu partir para algo
mais forte, pediu indicações ao barman. Este lhe trouxe o ouro da casa,
Utopias, alertando para seu alto valor. Ele toma, sente, começa a perder da
consciência e assim, adentrou no vazio. Não sabia o que fazer nem por onde ir.
Se retirou do bar. Sabia de sua <i>morte</i>
eminente. Intuitivamente, entrou no primeiro taxi que viu e disse ao motorista
(e a si mesmo) que não podia mais voltar atrás e que muitos iriam chorar pela
sua partida. Esperou mais uns quinze minutos - se aproximava a vigésima
terceira hora - e partiu. Uma lágrima caiu em seu rosto e as nuvens como que
leitoras de pensamentos alheios formaram no céu o que significava aquilo tudo: <i>haraquiri</i>. Sim, não se sabe para onde
ele teria ido, todavia soube-se posteriormente: ele já não sentia mais sua consciência
e sim mecanicismo; não estava ali há muito tempo e decidiu se encontrar - se
encontrando poderia demonstrar o seu adeus a existência, contra qual não
poderia lutar naquele momento. E se foi.<o:p></o:p></span></div>
</div>
<br />
<div class="custom-html-block">
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<br />
<span class="textexposedshow"> 2.
Como eu estava dizendo: ele se foi. Seu percurso era como a evolução das
personagens de L. Matsumoto (escritor de manga japonês menos famoso; 1938/
atualmente) ou seja, um acontecer que se faz sem nenhuma razão aparente. Se
encontrava agora num trem recém inaugurado no triângulo mineiro, o tão famoso
Expresso Pharaó 90. Estava em sua cabine, por sorte não dividida, e pensava um
pouco no seu destino. Ele saiu da sua terra e iria para o <i>inusitado</i>, que ficaria, segundo suas pesquisas, na fronteira do
Brasil com a Guiana Francesa. Para tanto, planejou o melhor caminho para
apreciar e dar tempo para si mesmo aceitar o que estava por acontecer: ou o
sucesso de sua empreitada ou o seu fracasso existência – caso acontecesse,
seria consumado com o tal suicídio.</span><span class="apple-converted-space"> </span><br />
<span class="textexposedshow"> O
trem era de tom azul petróleo. A conservação lhe imprimia um aspecto ainda mais
agradável e seu interior (contando com quinze vagões) não ficava atrás. Possuía
dois restaurantes e cinco vagões eram destinados às cabines (ao todo vinte e
cinco cabines). Confortáveis e bem aparelhadas. Chega a ser irônico que o lugar
historicamente tido como berço do principal apoiador do transporte individualista
tenha posto em funcionamento tamanha obra de arte do transporte público
coletivo. Ele ao embarcar verificou os pertences: uma mala de carrinho e uma
sacola de livros que comprara na estação. A tal sacola continha duas obras
somente: "Kafka on the shore", de Murakami, e “Ulisses”, de James
Joyce – deles este era o que mais queria ler, inclusive. Estava ouvindo música
de maneira discreta. Um fone de ouvido passava por dentro de sua blusa e, quase
num mundo paralelo por conta do isolamento do próprio fone, escutava alguma
canção triste na voz da Dione Warwick, dentre outras músicas (numa mistura do
estilos jazz, clássico e j-metal). Então, sentado a janela fechou os olhos e ao
pensar no que deixou para trás, chorou. Em seguida, lembrou-se do seu objetivo,
redescobrir-se, mas isso não o fez parar de chorar. Buscava respostas sobre si
e só na fronteira elas poderiam ser encontradas. Começou a ler Ulisses e seu
choro cessou. Um guarda bateu em sua porta para checagem do bilhete e, ao final
de tudo, informou sobre o trajeto, desejando boa viagem, e se despediu. Seriam
8 dias de viagem. Ao se dar conta da informação, pegou uma caneta vermelha de
sua mala e escreveu nos braços "I" (equivalente a um dia) e registrou
seu novo livro com data e local, assinando ao fim com o nome que escolheu para
si mesmo: Schneider. Voltou à leitura; voltou a chorar discretamente. </span>
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<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span class="textexposedshow">Schneider (nome fictício) é graduando em História pela UFF</span>
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A Folha do Gragoatáhttp://www.blogger.com/profile/07874333324714201901noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2362429597082896919.post-88052489017034510412016-09-29T15:32:00.002-07:002016-10-05T15:23:35.848-07:00Um Nobel para o jornalismo - Matheus Torreão<div class="custom-html-block">
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-indent: 35.4pt;">
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-indent: 35.4pt;">
Há dois anos, o mundo ficou órfão de um dos mais célebres repórteres de sua história. Pois sim: embora não costumemos associar com frequência a figura de García Márquez com a de um repórter, é curioso quando nos damos conta que o escritor nunca chegou
a abandonar o ofício por algum espaço de tempo que permita o traçar de uma linha divisória entre o ‘jornalista’ e o ‘literato’. Apaixonado irrecuperável pelos deadlines desde o final dos anos 40, não largou de escrever sobre a Macondo-nossa-de-cada-dia
deste amalucado cotidiano latino-americano – com a única regalia jornalística de não ter de inventar nada – mesmo depois do estouro global de <i>Cem Anos de Solidão</i> em 1967 e a posterior consagração conferida pelo Prêmio Nobel de Literatura em
1982. Aliás, não seria nenhuma grande ousadia dizer que o maior reconhecimento formal deste planeta à obra de um ficcionista tenha sido, também, um reconhecimento de sua obra como escritor de verdades, uma vez que ele nunca as separou.<br />
<br />
Na segunda metade da década de setenta, inclusive, fez a rompante promessa de não tornar a escrever ficção até que Pinochet fosse deposto e saiu a rodar o mundo como repórter da revista
colombiana Alternativa, da qual foi sócio-fundador. Registrou impressões sobre o fascismo chileno, o comunismo cubano e a revolução nicaraguense, dentre outros momentos históricos e políticos que, através do olhar de Gabo, seriam compiladas no livro
<i>Periodismo Militante </i>(1978). Felizmente, o escritor voltaria atrás em seu decreto pessoal e alguns anos depois seríamos presenteados com <i>Amor nos
Tempos do Cólera</i> (1985).<br />
<br />
O adjetivo “militante”, vale a ressalta, não parece de modo algum inadequado para caracterizar a não-ficção de García Márquez: as sanções que recebeu por suas reportagens de maior impacto, opondo-se a censura mordaz das ditaduras militares latino-americanas,
talvez por si só já façam jus ao título autoconcedido. Pouco após a publicação de <i>Relato de um Náufrago (1955)</i>, as tensões envolvendo seu nome e o periódico El Espectador culminaram em seus anos cinzas de exílio em Paris e na subsequente
clausura do jornal. Motivo: revelar que o dito naufrágio não havia se dado graças a uma tormenta, como queria fazer acreditar a versão escusa da marinha do general Rojas Pinilla, mas ao excesso de peso acarretado por uma carga de contrabando ilegal
que o destróier levava.<br />
<br />
Já a <i>Aventura de Miguel Littin Clandestino
no Chile</i> (1986) – onde narra os temerários dias nos quais o cineasta exilado Miguel Littin, impedido de voltar a pôr os pés em sua terra natal sob risco de fuzilamento, retorna para filmar um documentário sobre o país durante a era Pinochet – teve
a pouco modesta quantia de quinze mil cópias queimadas pelos militares em praça pública. Aliás, mais do que o “militante”, temos de reconhecer o “periodismo”, especialmente se concordamos com a máxima de George Orwell de que “jornalismo é tudo aquilo
que alguém não quer que se publique, todo o resto é relações públicas”. Quem sabe, enfim, o título do seu compêndio de reportagens não passe mesmo de um inadvertido pleonasmo.<br />
<br />
Se a retórica, todavia, não for suficiente para concluirmos que a obra de não-ficção do escritor merece com toda a justiça dividir os louros da Academia Sueca com o universo fantástico de seus romances, vamos pois aos números: García Márquez especulava
ter escrito mais de duas mil notas de imprensa, e um número que não se atrevia a arriscar de reportagens, crônicas e resenhas críticas– boa parte destas reunidas nos cinco tomos que formam a antologia de sua <i>Obra Jornalística </i>(este mês com
21% de desconto no Submarino, e aqui com a licença de George Orwell gostaria de alertar para as tênues e complexas nuances das divisas postas entre a publicidade e a utilidade pública).<br />
<br />
Por fim, temos <i>Notícia de um Sequestro</i> (1996), seu último livro-reportagem publicado. Trata-se de um magistral e apavorante relato dos muitos meses de cativeiro a que foram submetidos dez jornalistas no início dos anos 90 a mando do já lendário
narcotraficante Pablo Escobar para chantagear o governo colombiano. Mas trata-se também, e especialmente, de um dos mais inspiradores odes já feitos à coragem sobre-humana necessária para se exercer dignamente a profissão num país em estado de calamidade.
Dois anos depois García Márquez concluiria o ciclo completo do ofício que começou como repórter raso se tornando autoridade máxima de uma redação com a compra da revista colombiana <i>Cambio</i>, para a qual só deixou de ser um colaborador prolífico
quando a demência enfim lhe aposentou compulsoriamente.<br />
<br />
Como se poderia esperar, sua ficção não saiu intocada da vivência intensa no inacreditável mundo das histórias reais. Revelou, inclusive, lançar mão de artimanhas de jornalista para tornar mais verossímil seu consagrado universo fantástico. E justificava-as
com argumentos de fato difíceis de rebater. “Se um escritor diz que viu voar um rebanho de elefantes, não haverá ninguém que acredite, pois o bom jornalismo fez crer o mundo que elefantes não voam. Mas não faltará quem acredite nele se apela ao recurso
jornalístico da precisão e diz que os elefantes que voavam eram 326”, escreveu certa vez.<br />
<br />
Mas a coisa vai além, e antecipemos desde já qualquer mal-entendido: seus truques de repórter não se limitaram a ajudar sua “literatura”, mas seu próprio jornalismo era literatura. E não por encaixar-se de alguma forma no tal “jornalismo literário”, este
híbrido esquisito que nasce da intercessão promíscua de dois mundos supostamente puros com fronteiras invioláveis e bem desenhadas – o jornalismo e a literatura – mas por defender com firmeza a demolição sumária de tais fronteiras. Acreditava ser o
gênero tão digno do título de arte como a novela, o teatro e a poesia. E as suas convicções iam tão longe que até em imbróglios jurídicos o meteram.<br />
<br />
Por não considerar a entrevista tradicional um gênero do jornalismo que se sustentasse por si só – e sim uma matéria-prima a ser aproveitada pelo repórter como melhor lhe conviesse, tal qual é a inspiração para o poeta –, era costumeiro que quase nunca
transcrevesse a fala de um entrevistado nas exatas palavras em que foi dita. Por conceder-se tal liberdade resolveu narrar <i>Relato de um náufrago</i> em primeira pessoa, como se o próprio náufrago nos falasse, misturando em uma só voz a prosódia
do marinheiro Alejandro Velasco e seu próprio estilo de escrever literatura. Esclarecia a escolha: “quando alguém fala, foge do assunto, hesita e faz comentários tolos”.<br />
<br />
Apesar da declarada boa intenção, García Márquez foi processado por sua ex-fonte catorze anos após a publicação da reportagem em forma de livro, que não compreendia como a assinatura do testemunho de seus dez dias de martírio no mar poderia pertencer
de maneira exclusiva a outro alguém que não ele. A empreitada do ex-marinheiro para ter sua coautoria reconhecida naufragou tanto quanto seu destroier no mar do Caribe, uma vez que, aos olhos da suprema corte colombiana, seria natural das artes e da
literatura em geral se inspirarem em eventos cotidianos e histórias reais.<br />
<br />
As palavras jornalismo ou reportagem, todavia, não apareceram em um só parágrafo da sentença judicial. E para militar contra ausências como esta García Márquez criaria, em 1995, a ambiciosa FNPI (hoje chamada Fundación Gabriel García Márquez para el Nuevo
Periodismo Iberoamericano), recrutando jovens promessas latino-americanas de mais de uma dezena de países para que tivessem oficinas práticas e aprendizagens diretas com consagrados da profissão.<br />
<br />
Neste ponto, o “novo” em prol do qual García Márquez lutava parecia ser, a bem da verdade, o resgate de um antigo. O antigo de um tempo em que a relação de mestre-artesão que o editor tinha com seus repórteres rasos não havia sido substituída pela
assepsia das redações computadorizadas, em que a escassez de gravadores obrigava os repórteres a estarem invariavelmente atentos a cada fala de seu entrevistado com o bloco de nota em punhos, em que todo o currículo teórico que hoje demanda o diploma
de “comunicador social” se absorvia durante as pausas para cigarros e recargas de cafeína entre uma matéria e outra.<br />
<br />
Mas afora o que poderia ser confundido com defasagem teimosa ou nostalgia romântica, havia também um novo nas aspirações quixotescas de García Márquez. Fadado a jamais deixar a inalcançável linha do horizonte das utopias, muito provavelmente, mas decididamente
um novo: de um tempo em que não se processará ninguém por entrevistar como quem escreve um poema e não se estranhará quando o primeiro Nobel concedido for ao conjunto da obra de um repórter. Como tanto martelava e bem melhor resumia o velho Gabo, um
novo em que o jornalismo haverá de ser “finalmente reconhecido pelo que é: um gênero literário maior de idade”.</div>
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<br />
<br />
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<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm;">
Matheus Torreão é mestre em Estudos de Mídia pela UFF</div>
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A Folha do Gragoatáhttp://www.blogger.com/profile/07874333324714201901noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2362429597082896919.post-10278578517126653082016-09-16T16:00:00.003-07:002016-10-05T15:25:00.299-07:00Sarabande - Antonio Kerstenetzky<div class="custom-html-block">
<div class="MsoNormal">
Era seu primeiro dia no novo emprego – segurança noturno no Museu C-- O-- na cidade de F--. M. Onnel não se considerava um especialista em arte, mas o que já tinha visto foi suficiente para que uma breve olhadela em “Sarabande” lhe dissesse que alguma
coisa não estava certa.<br />
“Sarabande”, por Jean-Michel Armagnac, ocupava a posição de obra mais importante da cidade. Datada do século XVI, mostrava a avó do pintor, vestida com suas melhores roupas – um vestido vermelho, um colar de pérolas... Mas o que poderia surpreender eram
seus olhos. Não se podia dizer com certeza que cor tinham: uma mistura de azul e verde, com uma luz avermelhada. Um efeito inexplicável.
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<div class="MsoNormal">
Mas M. Onnel, em sua primeira ronda noturna das galerias, não podia ver os olhos que orgulhavam a cidade. Eles não estavam lá. De fato, a velha senhora tinha desaparecido, e a pintura tinha virado uma paisagem.
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...
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M. Onnel entrou em choque. Não é que tivesse grande consideração por esta obra em especial, mas sabia que ele não sobreviveria ao escândalo que chegaria no dia seguinte. Ele estava sozinho no museu; o diretor, a polícia, a imprensa – ah, meu Deus, a imprensa
que matou Diana – todos virão em cima de mim.
<br />
Sem reação possível, M. Onnel se pôs a tentar entender o que tinha acontecido com a velha avó que, depois de 400 anos, decidiu ir-se justamente no seu primeiro dia de trabalho.
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<div class="MsoNormal">
Olhou o quadro de todas as maneiras possíveis: de perto, de longe, de um lado, de outro... Fracasso. Não havia como descobrir onde poderia estar a madame Sarabande.
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Finalmente, tomou uma decisão que, normalmente, é a primeira interdição inculcada nos guardas de museu: decidiu tocar o quadro. Estava realmente desesperado.
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No dia seguinte, quando o curador chegou ao museu, surpreendeu-se por não conseguir encontrar M. Onnel. Era o primeiro dia de M. Onnel: o curador suspirou. Não queria demitir seu genro.<br />
Como em todas manhãs, o curador foi ver “Sarabande”. Considerava esta obra a mais importante da Renascença em F--; estava também secretamente apaixonado pela avó do pintor, representada no quadro.<br />
Quando chegou na sala de “Sarabande”, o curador desmaiou. A velha senhora não fazia mais parte do quadro; em seu lugar estava pintado M. Onnel, sua face deformada por um grito de dor.
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Antonio Kerstenetzky graduou-se em História pela UFF</div>
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A Folha do Gragoatáhttp://www.blogger.com/profile/07874333324714201901noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2362429597082896919.post-49783397871712820932016-09-16T15:59:00.001-07:002016-10-05T15:28:16.047-07:00Under the Skin - Beatriz Reis<div class="custom-html-block">
<div class="MsoNoSpacing" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
É curioso o fato de ter sido pena o primeiro sentimento humano que a personagem de “Under the skin” (2013, Jonathan Glazer), interpretada por Scarlett Johansson, sente – ou que pensa sentir, ou que nós pensamos que ela sente. Isso porque a pena, não sendo
nem de longe o sentimento mais incômodo – basta que pensemos no amor, que, em determinados momentos, chega a doer – é, sem dúvida, um dos sentimentos mais genuinamente humanos de que consigo me lembrar. Explico:<br />
Tomemos a tristeza como exemplo de comparação. Ela, a tristeza, pode ser pensada como legitimamente “humana” no sentido que nós, humanos, a identificamos como tal (nos sentimos tristes, denominamos uma coisa qualquer de tristeza, etc). No entanto, se
pensarmos na tristeza como uma espécie de dor no “espírito”, ou como quer que se chame isto dentro de nós, e levando em conta que corpo e espírito são um tanto indissociáveis, então ela entra na mesma categoria da dor física. E esta, a dor física, é
amplamente compreendida por outras espécies dotadas de vida, como os gatos e os canários.<br />
O mesmo pode ser dito da alegria, da revolta, do sofrimento, da coragem, do prazer, e por aí vai. Quero dizer que estes são sentimentos que, por mais que se apresentem inseridos num amplo contexto de relações interpessoais, são realmente egoístas e autocentrados.
Identificam-se e atuam sobre um “eu” que sente.
<br />
Com a pena, contudo, é diferente. Ela, por mais que se dê como um incômodo no íntimo de alguém, evidencia-se como plena capacidade de identificar-se com as mazelas do outro. O “eu” torna-se medida para um mundo fora de medida e tudo o que não identificamos
como parelho a nós mesmos – como inferior a nós mesmos – torna-se digno de pena.
<br />
Sentir pena é legitimamente humano (e não faço qualquer juízo de valor quando digo isso), pois, para tal, é preciso que se reconheça no mundo uma ausência total de sentido, a tremenda
injustiça – ou será a falta de qualquer dicotomia justiça/injustiça? – que a tudo governa, a plena infelicidade de estar vivo. Cria-se, logo, um distanciamento súbito da vida e do mundo. E, convenhamos, nada é mais humano do que esta falta de contato
que sentimos em relação à natureza, ao que não conseguimos ou podemos controlar. A pena é, portanto, uma espécie de aceitação do absurdo da vida (mais ou menos consciente, é bem verdade), resignação com o mundo e percepção do outro como ser castigado
pelo destino. Nenhum animal seria capaz de sentir pena, talvez algum tipo de piedade instintual, mas não pena.
<br />
A personagem principal, ao sentir pena do jovem deformado, o liberta do cruel destino que o aguarda – ou o condena a um destino ainda mais cruel. Seu gesto de piedade é instintual, como
o dos animais, se assemelha ao gesto do tigre, que não come os macacos filhotes por qualquer motivo misterioso (há quem diga que o tigre “sabe” que se comer o macaco filhote, não haverá procriação e, portanto, outros macacos mais), mas a pena – o sentimento
que motiva o gesto -, esta é prova incontornável de que ela já é humana, demasiadamente.
<br />
Os outros sentimentos, sentidos e assimilados ao longo do filme, por mais complexos que sejam, cumprem função mais a nível egoico: a ajudam na construção de um “eu” mais sólido, capaz
de lidar com as próprias sutilezas e com as sutilezas do outro. Mas foi a pena que inaugurou essas duas instâncias de atuação, o “eu” e o “outro”.
<br />
Com mais ou menos sucesso, a personagem constrói-se a si, mas seu aspecto “alienígena” a impede de sentir-se completamente humana. Seu corpo, sua pele, é apenas envoltório. Ela continua
a ser um alienígena por baixo daquela proteção epidérmica. E todos aqueles sentimentos – perguntam-me -, não foram suficientes? Não bastaram para que ela fosse humana?<br />
Eu respondo às questões com outra pergunta: qual é a grande diferença entre eu, você, o jovem deformado e a alienígena atraente? No fim das contas, somos todos seres humanos-pela-metade,
incompletos aqui e ali, incapazes de nos sentirmos completamente humanos, de o fazermos numa instância mais profunda do que a pele (ou mesmo na pele ainda, como creio ser o caso do tal jovem deformado). Todos nos unimos nessa incompletude e ela, inteira,
é que nos faz humanos. Nesse caso, sim, basta o sentimento. Basta um início de pena, pelo outro, por si. Basta a percepção do início do sentimento, do início do eu e do outro. Ela, a alienígena, era mesmo humana, pois percebia a si mesma e ao outro.
Sentia-se frágil, imperfeita, fora de lugar. Sentia.
<br />
Talvez, ser humano seja isso: sentir o incômodo que se aloja em qualquer lugar sob a pele.
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<div class="MsoNoSpacing" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
“Só depois é que eu ia entender: o que parece falta de sentido – é o sentido” (C.L.)
<br />
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<div class="MsoNoSpacing" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
</div>
<div class="MsoNoSpacing" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
Beatriz Reis é mestranda em Artes Visuais na UFRJ</div>
</div>
A Folha do Gragoatáhttp://www.blogger.com/profile/07874333324714201901noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2362429597082896919.post-25349410290308269112015-09-15T11:23:00.002-07:002015-09-15T11:24:12.299-07:00Edição de Setembro de 2015<span style="font-size: large;">Ainda o melhor jornal de Niterói (desde 2012)</span><br />
<span style="font-size: large;"><br /></span>
<span style="font-size: large;">1. <a href="http://afolhadogragoata.blogspot.com.br/2015/09/carta-do-editor_15.html">Carta do Editor</a></span><br />
<span style="font-size: large;">2. <a href="http://afolhadogragoata.blogspot.com.br/2015/09/luz-contorcida-antonio-zelaquett-khoury.html">Luz Contorcida - Antonio Zelaquett Khoury</a></span><br />
<span style="font-size: large;">O que é a óptica quântica?</span><br />
<span style="font-size: large;">3. <a href="http://afolhadogragoata.blogspot.com.br/2015/09/o-grito-do-silencio-ian-b-sarges_15.html">O Grito do Silêncio - Ian B. Sarges</a></span><br />
<span style="font-size: large;">Por uma história popular.</span><br />
<span style="font-size: large;">4. <a href="http://afolhadogragoata.blogspot.com.br/2015/09/caixa-de-surpresas-leonardo-ferrari.html">Caixa de Surpresas - Leonardo Ferrari</a></span><br />
<span style="font-size: large;">Poema.</span><br />
<span style="font-size: large;">5. <a href="http://afolhadogragoata.blogspot.com.br/2015/09/poema-filosofisico-leonardo-ferrari.html">Poema Filosofísico - Leonardo Ferrari</a></span><br />
<span style="font-size: large;">Poema.</span><br />
<span style="font-size: large;">6. <a href="http://afolhadogragoata.blogspot.com.br/2015/09/desespero-victor-tiribas.html">Desespero - Victor Tiribás</a></span><br />
<span style="font-size: large;">Poema.</span><br />
<span style="font-size: large;">7. <a href="http://afolhadogragoata.blogspot.com.br/2015/09/renata-januaria-igor-dias.html">Renata Januária - Igor Dias</a></span><br />
<span style="font-size: large;">A vaquinha de porcelana comprada no MAC.</span>A Folha do Gragoatáhttp://www.blogger.com/profile/07874333324714201901noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2362429597082896919.post-16575646514036039982015-09-15T11:17:00.001-07:002015-09-15T11:17:22.396-07:00Carta do Editor<span style="font-size: large;">Um dos problemas de não respeitarmos a periodicidade que certa vez nos impusemos (este deveria ser um veículo mensal) é que há, na UFF, toda uma geração de alunos que nunca ouviu falar da Folha do Gragoatá. Isto é um problema porque, para fazermos jus à nossa alcunha (“desde 2012, o melhor jornal de Niterói”), faz-se necessário, basicamente, que nós existamos; e para que isto ocorra de fato, não podemos passar sem que edições sejam feitas.<br /><br />Munidos destas razões e de outras, ligadas ao prazer que fazer este jornal provoca, jogamos no mundo mais esta edição. Pela primeira vez, a Folha não sairá em papel. Por motivos relacionados ao ajuste fiscal, não conseguimos um parceiro que imprimisse nossa edição. Por isso, ela é um pouco menor; desta vez, publicamos apenas um professor convidado, além de contribuições várias de estudantes.<br /><br />Nosso convidado é Antonio Zelaquett Khoury, professor associado do Instituto de Física da UFF. Khoury é especialista da área de Óptica Quântica. Como confessei ao professor Khoury quando fiz meu convite, para a maior parte dos alunos do ICHF a pesquisa que ocorre nos laboratórios do Instituto de Física é completamente misteriosa. Ao mesmo tempo, várias das discussões que travamos, em especial na Filosofia, tocam temas que nos são comuns.<br /><br />Por isso, o tema que sugerimos a ele foi “O que é a Óptica Quântica?”. O resultado, a seguir, é interessante sob vários aspectos: por um lado, foi possível perceber que a Física, um pouco como as “Ciências” Humanas, é interessante talvez menos por sua utilidade prática do que pela beleza das ideias que nos faz ver; por outro, os impactos práticos que este tipo de pesquisa pode ter podem nos dar uma pontinha de inveja.<br /><br /> Com relação às contribuições dos alunos, procuramos dar conta de um pedacinho da pluralidade em que acreditamos. Há uma conclamação em nome da história da cultura popular, por resgatá-la das margens; há um belo continho sobre uma vaca de porcelana; há ainda três poemas de inspirações bastante variadas. Aos que não conhecem a Folha, nós aceitamos contribuições de contos, crônicas, poemas, artigos e desenhos (em preto e branco) que não ultrapassem o espaço de duas laudas em times 12, através do email <a href="mailto:afolhadogragoata@gmail.com">afolhadogragoata@gmail.com</a>. </span>A Folha do Gragoatáhttp://www.blogger.com/profile/07874333324714201901noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2362429597082896919.post-16796123746195464212015-09-15T11:16:00.002-07:002015-09-15T11:16:21.813-07:00Luz Contorcida - Antonio Zelaquett Khoury<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgsbrLv-NswzCDe9Uy8J0qyt64KXjv9nHtTDxVntF7NnUIltlF-uSuztgApDQW-Obnta8wnddTluWl_vPByEb1PjFOvxNPxP8yGyUucbJ49a-0ADhOw-pj070OB2qwgkT8n_dAUABCwwGk/s1600/Antonio+Khoury.JPG" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="150" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgsbrLv-NswzCDe9Uy8J0qyt64KXjv9nHtTDxVntF7NnUIltlF-uSuztgApDQW-Obnta8wnddTluWl_vPByEb1PjFOvxNPxP8yGyUucbJ49a-0ADhOw-pj070OB2qwgkT8n_dAUABCwwGk/s200/Antonio+Khoury.JPG" width="200" /></a></div>
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Antonio Zelaquett Khoury é professor associado do departamento de Física da UFF. É membro do Grupo de Óptica e Informação Quântica, sendo o professor responsável pelo Laboratório de Óptica Quântica.</div>
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Desde a antiguidade, a natureza da luz ocupou a mente de filósofos e pensadores. Esteve no centro de um debate entre o grande Isaac Newton e o holandês Christiaan Huygens no século XVII, no qual Newton sustentava que a luz era formada de pequenos corpúsculos, enquanto Huygens defendia que a luz era formada por ondas. As primeiras evidências experimentais apontavam fortes indícios em favor da teoria ondulatória até que, no final do século XIX / início do século XX, surgem a teoria quântica e a ideia da dualidade onda-partícula. Esta dualidade implica na coexistência de uma dupla natureza, onda e corpúsculo, tanto na luz quanto nos constituintes elementares da matéria, como elétrons, prótons e nêutrons. Este caráter dual intriga os cientistas até a atualidade e ainda é fonte de intensos debates, sobretudo por desafiar nossa percepção da natureza. De fato, é difícil conceber a coexistência de duas características que parecem ser mutuamente excludentes. Corpúsculos são percebidos como pequenos objetos localizados no espaço, enquanto as ondas constituem perturbações que se propagam e distribuem-se pelo espaço.<br /><br />Apesar desta singularidade da visão quântica da luz, a maioria dos fenômenos luminosos do nosso cotidiano pode ser descrita em termos ondulatórios. Ainda que um conceito razoavelmente antigo, a propagação de ondas enseja características surpreendentes, que muitas vezes desafiam o senso comum. Sabemos que a luz transporta energia e outras grandezas físicas, como o momento linear, associado à quantidade de movimento de translação de um objeto, e o momento angular, associado à quantidade de movimento de rotação. É deste último que nos ocupamos no Laboratório de Óptica Quântica do Instituto de Física da UFF.<br /><br />Quando duas ou mais ondas se superpõem no espaço, ocorre o conhecido fenômeno de interferência. Este fenômeno provoca uma redistribuição espacial da energia luminosa, que muitas vezes produz imagens ricas em complexidade e beleza. Por exemplo, ao iluminarmos o anteparo exibido na figura 1, a luz atravessará as partes brancas e será obstruída pelas partes escuras. Após o anteparo, a onda luminosa será composta pela superposição das ondas transmitidas, dando origem ao fenômeno de interferência, o qual distribui sua energia por feixes secundários que se propagam em direções específicas.</span><table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhbB9-x5UVOrbU-hZGghuopyWKw_7zJQqHefFvijTL1NmtvYlCiZqnOOyaWEHouDvx0y2oXbPR08faPfdy51EkU9HVUGKQeYnxu7BciG8E6XUQStzSQT3kcCqAY_oBcAjr5LGi4Oe0ke1Y/s1600/FIgura+1.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><img border="0" height="181" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhbB9-x5UVOrbU-hZGghuopyWKw_7zJQqHefFvijTL1NmtvYlCiZqnOOyaWEHouDvx0y2oXbPR08faPfdy51EkU9HVUGKQeYnxu7BciG8E6XUQStzSQT3kcCqAY_oBcAjr5LGi4Oe0ke1Y/s200/FIgura+1.jpg" width="200" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Figura1. Anteparo usado na produção do fenômeno de interferência luminosa</td></tr>
</tbody></table>
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<span style="font-size: large;"><br />A superposição de ondas também pode produzir modos interessantes de propagação da luz, formando vórtices como num redemoinho ou num furação. Vórtices luminosos podem ser formados a partir de um laser comum utilizando-se o fenômeno de interferência. Partindo de um feixe laser com seção reta circular, utilizamos um anteparo que possui uma estrutura bifurcada, como a exibida na figura 2. Alinhando o centro do feixe incidente na bifurcação, sua energia é redistribuída sobre vários feixes secundários que resultam da interferência entre as ondas transmitidas pelo anteparo. Parte do feixe segue inalterado sobre a mesma direção de propagação incidente. Sobre os feixes secundários formam-se vórtices que se propagam em direções defletidas, simetricamente dispostas de cada lado do feixe inalterado, conforme mostrado na figura 2. Os vórtices dispostos de cada lado do feixe principal circulam em sentidos opostos.</span><table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgEna71b6uxlSc9ISccAg9AF5kAIdl-neHw0ll8M3rWriLNHv8oEHml-U3vySPhEwJiejNuY5mwOVCfFEKk2Zs05oou_7BJW-cdFjaXfjLlcuX-Ak1Ij_sy-HIHRZFGP0vvsQ3t_nivr_Q/s1600/figura+2.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><img border="0" height="232" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgEna71b6uxlSc9ISccAg9AF5kAIdl-neHw0ll8M3rWriLNHv8oEHml-U3vySPhEwJiejNuY5mwOVCfFEKk2Zs05oou_7BJW-cdFjaXfjLlcuX-Ak1Ij_sy-HIHRZFGP0vvsQ3t_nivr_Q/s640/figura+2.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Figura 2. Anteparo utilizado na produção dos vórtices e esquema dos feixes defletidos</td></tr>
</tbody></table>
<br /><span style="font-size: large;"><br /><br />A formação dos vórtices pode ser evidenciada utilizando-se novamente o fenômeno de interferência. Na figura 3 exibimos uma imagem obtida em nosso laboratório, formada a partir da superposição de um vórtice com um laser comum. O padrão de interferências construtivas (regiões claras) e destrutivas (escuras) exibe uma estrutura em forma espiral que revela a presença do vórtice. </span><table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjQuXt8W2y8yJoVFgdGfweBX3S3mmLlPsvf7KDEUaQCN90P0T7yu5QxhCRw08082esvx586njnA23A5Nt4pPHMM2qPXCTgKJSQ_8Ep-bI5v1SZytVqWP3DCDPa7grQJlTq6aTAMbFhNKZ4/s1600/figura+3.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><img border="0" height="309" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjQuXt8W2y8yJoVFgdGfweBX3S3mmLlPsvf7KDEUaQCN90P0T7yu5QxhCRw08082esvx586njnA23A5Nt4pPHMM2qPXCTgKJSQ_8Ep-bI5v1SZytVqWP3DCDPa7grQJlTq6aTAMbFhNKZ4/s320/figura+3.jpg" width="320" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Figura 3. Imagem de uma figura de interferência entre um vórtice e um laser comum</td></tr>
</tbody></table>
<br /><span style="font-size: large;"><br />Além de sua beleza intrínseca, os vórtices óticos também são estudados por suas potenciais aplicações tecnológicas em diferentes contextos. Sabemos que eles podem ser utilizados no aprisionamento e rotação de pequenas partículas em montagens chamadas de pinças óticas. Além disso, os vórtices surgem naturalmente em certos tipos de fibras óticas e também podem vir a ser úteis em protocolos de telecomunicação. No Laboratório de Óptica Quântica do IF-UFF, dedicamos nossa pesquisa ao estudo dos vórtices em protocolos de transmissão e processamento de informação quântica, onde tanto a natureza ondulatória quanto a corpuscular da luz são necessárias. Esperamos que os vórtices tenham um papel importante em uma nova geração de tecnologia de informação.</span><br /> </div>
A Folha do Gragoatáhttp://www.blogger.com/profile/07874333324714201901noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2362429597082896919.post-66060007495214691732015-09-15T10:54:00.000-07:002015-09-15T10:54:05.439-07:00O Grito do Silêncio - Ian B. Sarges<div style="text-align: right;">
Ian B. Sarges é graduando em História pela UFF</div>
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<span style="font-size: large;">“Ninguém ouviu um soluçar de dor no canto do Brasil. Um lamento triste sempre ecoou desde que o índio guerreiro foi pro cativeiro e de lá cantou. Negro entoou um canto de revolta pelos ares no Quilombo dos Palmares, onde se refugiou.” (O canto das três raças, de Mauro Duarte e Paulo César Pinheiro)</span></div>
<span style="font-size: large;"><br />Diz o ditado popular: O pior cego é aquele que não quer ver. Eu iria além, acrescentado que o pior cego não é somente aquele que não enxerga, mas aquele que se esforça para embaçar a visão dos outros. Experimente buscar na internet centros culturais e museus localizados no centro do Rio de Janeiro, local no qual há a maior concentração, em relação à cidade e quiçá ao estado do Rio, de empreendimentos deste tipo. Encontrará o Museu de História Nacional, o Teatro Municipal, o Paço Imperial, o Museu Nacional de Belas Artes, a Casa França-Brasil, a Biblioteca Nacional, centros culturais de toda monta, vide Centro Cultural do Banco Brasil, e afins.<br /><br />Como podemos perceber, existe toda uma exaltação e contemplação, que se estende do poder público ao privado, da “cultura erudita”, a qual não contempla a amplitude dos grupos marginalizados e a produção destes. Dentro da história oficial ou pública, a narrativa do negro, com toda sua herança e produção cultural, é marginalizada, sendo, contra a maré, levada a cabo pelo movimento negro desde sempre. E quando esse caldo cultural penetra – e penetrou com toda a força que carrega consigo -, como o reconhecimento do samba, a “esquizofrenia” aguda ataca ferozmente, fazendo com que tal contribuição se ligue forçosamente a outra identidade – nesse caso, a do brasileiro -, que é englobante, e, por tanto, harmoniosa.<br /><br />Poder, literalmente, experimentar as pedras do Cais do Valongo, os ossos e a terra do Cemitério dos Pretos Novos e os degraus da Pedra do Sal – imaginando, ao mesmo tempo, as batidas da água do mar - é trazer a luz da sociedade uma narrativa desconhecida; é sentir a História correr por entre os olhos, como rio em seu leito; é tornar a História mais humana e palatável; é dar asas a imaginação histórica, a qual é tão cara não só ao historiador, mas também aos sujeitos que pretendem relacionar biografia e História.<br /><br />Nesse sentido, o Circuito da Celebração da Herança Negra Africana na região portuária - compreendido pelo Cais do Valongo, pela Pedra do Sal, pelo Jardim Suspensos do Valongo, pelo Largo do Depósito, pelo Cemitério dos Pretos Novos e pelo Centro Cultural José Bonifácio – é um romper de silêncio por meio de um atabaque nervoso, ansioso e alegre, representando a resistência dentro da dominação, o júbilo na dor, o sagrado do desgraçado; é conquista do movimento negro, muito mais que uma iniciativa do Estado, que é representado por uma plaquinha vulgar, enquanto aquele é simbolizado e materializado por cada pedra, objeto metálico e ossos visualizados durante o trajeto.<br /><br />Parafraseando Bertolt Brecht no seu poema chamado Perguntas De Um Trabalhador que lê<a href="file:///C:/Users/Celia/Dropbox/Universidade/A%20Folha/N%C3%A3o%20publicados/Edi%C3%A7%C3%A3o%20maio%202015/O%20grito%20do%20sil%C3%AAncio%20-%20Ian%20Sarges.docx#_ftn1">[1]</a>, eu pergunto: Quem construiu e constrói o Brasil? São os figurões que possuem seus nomes nas plaquinhas? Ou os sujeitos cujos ossos estão à flor da pele e cujos nomes estão estampados nas paredes do Cemitério dos Pretos Novos?<br /><br />Tendo isso em vista, é fundamental se apropriar dessa narrativa nascente no coração de uma das cidades mais ricas, mais desiguais, mais discriminantes e mais eurocentristas – vide as reformas urbanas baseadas influências europeias e também a própria reforma no cais do Valongo para o recebimento da princesa Teresa Cristina - do país, assim como Dona Merced – que encontrou o Cemitério dos Pretos Novos ao fazer uma reforma em sua casa - o fez, ela, que poderia simplesmente ignorar como muitos outros moradores fizeram, tomou posse com a ajuda de alguns pesquisadores, lutando, ao mesmo tempo, contra a burocracia burra e a falta de investimento do Estado. E hoje conclama, através de seu ativismo, a todos nós que façamos o mesmo.<br /><br />Assim, cabe a nós historiadores investirmos cada vez mais na modalidade de história pública, a qual sai das salas climatizadas das universidades para o calor das massas e do asfalto, fazendo com que os investimentos provenientes, não de uma entidade sobrenatural, mas da sociedade, tenham um sentido.<br /><br />Cabe a nós os cidadãos ocuparmos esses locais de memória, a fim de que não se percam entres as construções modernizantes como em outrora. E assim reconstruir a memória coletiva, deixando-a mais crítica, inclusiva e rica. Aliás, a história que não contribui para o debate acerca dos dilemas da sociedade torna-se apenas armazenamento de acontecimentos sem relações uns com os outros. No dia do cumprimento desses compromissos, o samba da Pedra do Sal sobrepujará todos os resquícios do silêncio com seu gingado e malemolência.<br /><br /><br /><br /><a href="file:///C:/Users/Celia/Dropbox/Universidade/A%20Folha/N%C3%A3o%20publicados/Edi%C3%A7%C3%A3o%20maio%202015/O%20grito%20do%20sil%C3%AAncio%20-%20Ian%20Sarges.docx#_ftnref1">[1]</a> "Quem construiu a Tebas de sete portas? Nos livros estão nomes de reis. Arrastaram eles os blocos de pedra? E a Babilônia várias vezes destruída — Quem a reconstruiu tantas vezes? Em que casas Da Lima dourada moravam os construtores? Para onde foram os pedreiros, na noite em que a Muralha da China ficou pronta? A grande Roma está cheia de arcos do triunfo. Quem os ergueu? Sobre quem Triunfaram os Césares? A decantada Bizâncio Tinha somente palácios para seus habitantes? Mesmo na lendária Atlântida Os que se afogavam gritaram por seus escravos Na noite em que o mar a tragou. O jovem Alexandre conquistou a Índia. Sozinho? César bateu os gauleses. Não levava sequer um cozinheiro? Filipe da Espanha chorou, quando sua Armada Naufragou. Ninguém mais chorou? Frederico II venceu a Guerra dos Sete Anos. Quem venceu além dele? Cada página uma vitória. Quem cozinhava o banquete? A cada dez anos um grande homem. Quem pagava a conta? Tantas histórias. Tantas questões.”</span>A Folha do Gragoatáhttp://www.blogger.com/profile/07874333324714201901noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2362429597082896919.post-9946999262661302962015-09-15T10:53:00.000-07:002015-09-15T10:53:01.550-07:00Caixa de Surpresas - Leonardo FerrariEscondi meus segredos<br />Em uma caixa no sótão.<br />Escondi até de mim,<br />As verdades esquecidas<br />E as que desejo esquecer.<br /><br />Mas de vez em quando<br />Eu vou conferir<br />Se não falta nada.<br /><br />Leonardo Ferrari é mestrando em Matemática pela PUCA Folha do Gragoatáhttp://www.blogger.com/profile/07874333324714201901noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2362429597082896919.post-33506047895298466142015-09-15T10:51:00.002-07:002015-09-15T10:51:42.359-07:00Poema Filosofísico - Leonardo Ferrari<span style="font-size: large;"><br />Não sei que causa fantástica,<br />Psicológica ou relativística,<br />Foi responsável por esse efeito.<br />Talvez possamos culpar a aceleração<br />De nossa velocidade mental,<br />Ou quem sabe o verdadeiro responsável<br />Foi o aumento das horas disponíveis?<br />Mas a causa não importa,<br />Os dias estão cada vez mais longos.<br />Eles se esticam e se estendem<br />Com uma elasticidade imaterial.<br />Estão tão longos que em um dia apenas<br />Podemos experimentar as sensações<br />De uma breve e intensa vida,<br />Indo da serenidade à euforia,<br />Da paixão à melancolia,<br />Da inspiração à apatia.<br />Toda noite morremos<br />E toda manhã renascemos.<br /></span><br />
<span style="font-size: large;">Por isso, proponho<br />Uma nova medida de tempo:<br />O dia-vida,<br />A unidade dos tempos modernos,<br />Tão diferentes dos dias antigos<br />Que precisam de outra medida!</span><br />
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<span style="font-size: large;">Leonardo Ferrari é mestrando em Matemática pela PUC</span></div>
A Folha do Gragoatáhttp://www.blogger.com/profile/07874333324714201901noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2362429597082896919.post-99571598378995482015-09-15T10:49:00.004-07:002015-09-15T10:49:39.042-07:00Desespero - Victor Tiribás<span style="font-size: large;"><br />Esperei por tempo demais<br /> Agora que te des-espero<br /> Desespero<br /> Ora, não me venha falar de eros<br /> Se sou ex-perto é porque sou esperto<br /> Dê longe; de longe te espeto.</span><br /><br /> <br /><br />Victor Tiribás é mestrando em Ciência Política pela UFFA Folha do Gragoatáhttp://www.blogger.com/profile/07874333324714201901noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2362429597082896919.post-9783526505162302852015-09-15T10:45:00.002-07:002015-09-15T10:45:31.689-07:00Renata Januária - Igor Dias<div style="text-align: right;">
Igor Dias é doutorando em Engenharia de Produção pela UFF</div>
<div style="text-align: right;">
<br /></div>
<span style="font-size: large;">Quando comprei uma singela vaquinha de porcelana no Museu de Arte Contemporânea, dei a ela o nome de Renata Januária.<br /><br />Renata Januária era frágil, quase quebradiça. Veio embalada em uma grossa camada de jornal que deixava à mostra uma coluna da Miriam Leitão. Esta embalagem, cuidadosa, feita pelas mãos finas e delicadas do vendedor da lojinha do Museu, deveria garantir a integridade de Renata Januária em qualquer viagem.<br /><br />Ao sair da lojinha do Museu, já com Renata Januária chacoalhando dentro da mochila, tive muitas dúvidas em relação a qual caminho tomar. Eu poderia tanto descer em direção à Praia de Icaraí ou em direção ao Ingá. De um lado, a beleza da praia, o vôlei descompromissado, a vista insuperável do Rio de Janeiro enquanto a velha baía nossa de cada dia continuava cheia de esgoto. Do outro, estudantes da UFF aturdidos com suas questões existenciais e suas provas de quinto período, e também a pequena burguesia da terra de Arariboia que faz compras no Extra do Ingá – Sendas forever!<br /><br />Escolhi o lado do Ingá, por puro diletantismo, e enquanto descia a ladeira da Praia das Flechas, pensei mais uma vez em Renata Januária.<br /><br />Longe de mim ter ímpetos desmedidos de posse: acho que a gente cria os filhos para o mundo. Decidi dar a ela a oportunidade de experimentar a atmosfera de Niterói. Parei no meio da descida, passei a mochila com destreza por baixo do braço esquerdo e, tendo-a de frente para mim, abri o fecho-eclair. Deparei-me com a embalagem de jornal um tanto quanto disforme, em cima de um caderno velho e de dois livros de literatura barata: era Renata Januária.<br /><br />Quando comecei a abrir a embalagem, veio se descortinando pouco a pouco a imagem dela: o corpo todo vermelho, as pernas finíssimas, as patas pintadas de preto; dois chifres pequenos pintados de amarelo, uma boca que esboçava um sorriso. Duas manchas na região da alcatra e da chã davam um charme especial à Renata Januária, que tinha as tetas rosadas e gordas, viçosas, férteis. Um pequeno sino dourado atado ao pescoço, adorno de muito bom gosto, coroava os atributos do pequeno presente que eu tinha nas mãos.<br /><br />Descíamos a Praia das Flechas, eu e Renata Januária, até que começou a chover. Até então, estávamos felizes em nossas realidades paralelas. Eu, humano, de carne e osso. Ela, bovina, de cerâmica e tinta. <br /><br />À medida que a chuva aumentava, comecei a ficar preocupado com a integridade física de Renata Januária. Sua pele de cerâmica era tão fina que não precisava cair no chão para que se quebrasse: uma chuva um pouco mais forte já seria capaz de destruí-la. Tive então a ideia de guardá-la novamente dentro da mochila. Torná-la-ia por alguns instantes cega, enclausurada, exatos 25 minutos até que eu chegasse em casa para tirá-la da mochila fechada.<br /><br />Destro, abri a mochila para resgatar a embalagem de jornal. Reembalá-la-ia ligeiro, guardaria Renata Januária para que ela ornasse a prateleira mais alta do meu quarto e velasse, mimosa, o meu sono enquanto eu dormia.<br /><br />Mal eu acabara de refazer a embalagem, o jornal já densamente molhado pela chuva que não parava de apertar, fui surpreendido por uma forte rajada de vento vinda da baía.<br /><br />A morte precoce de Renata Januária me deu um aperto esquisito no peito, uma angústia, uma dor de aborto. De uma hora para outra, meu bibelô bovino era um amontoado de cacos vermelhos que se espalhava pela calçada larga da Avenida Benjamim Sodré. Procurei, em vão, pela cabeça com seus chifres amarelos, mas não a encontrei: deve ter caído na baía ou ter sido empurrada para lá pelo vento.<br /><br />Quando eu vi aquele amontoado de cacos, tive uma vontade enorme de chorar. Mas segurei o choro. Muito molhado, hesitante entre continuar a descida até o Extra ou voltar para o Museu de Arte Contemporânea para me proteger da chuva, olhei para o chão mais uma vez em busca da cabeça de Renata Januária.<br /><br />Como é de se supor, jamais a encontrei. Mas, se alguém tivesse me visto naquele momento, teria estranhado a minha súbita mudança de humor. Recobrei o ânimo, respirei fundo e segui aliviado e resoluto em direção às pequenas ruas do Ingá. A chuva que havia levado Renata Januária era a mesma que esfacelava e desmanchava a cabeça da Miriam Leitão, que jazia no asfalto da Benjamim Sodré em meio aos cacos. <br /><br />Apesar de não ter olhado para trás, sei que a cabeça que eu havia encontrado ia se desintegrando e se encaminhando para o esgoto, num pequeno córrego caudaloso que se formava rente ao meio-fio, a chuva cada vez mais grossa. </span>A Folha do Gragoatáhttp://www.blogger.com/profile/07874333324714201901noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2362429597082896919.post-21811746037637561702014-06-08T22:27:00.003-07:002014-06-11T15:24:17.561-07:00Edição Especial sobre gênero<div style="margin: 0in;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">Não teve acesso à
versão impressa? <a href="http://issuu.com/afolhadogragoata/docs/edicao-genero">Clique aqui</a> para ver como ficou.</span></div>
<div style="margin: 0in;">
<br /></div>
<div style="margin: 0in;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">Conteúdo:</span></div>
<div style="margin: 0in;">
<br /></div>
<div style="margin: 0in;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">1. <a href="http://afolhadogragoata.blogspot.com.br/2014/06/carta-do-editor.html">Carta do Editor</a></span></div>
<div style="margin: 0in;">
<br /></div>
<div style="margin: 0in;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">2. <a href="http://afolhadogragoata.blogspot.com.br/2014/06/historia-das-mulheres-e-relacoes-de.html">História das Mulheres e Relações de Gênero: debatendo algumas questões - Rachel Soihet</a></span></div>
<div style="margin: 0in;">
<br /></div>
<div style="margin: 0in;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">3. <a href="http://afolhadogragoata.blogspot.com.br/2014/06/o-sexo-sempre-e-culpavel-notas-sobre.html">O sexo sempre é culpável? Notas sobre prazeres, perigos e fissuras na sexualidade -Maria Elvira Díaz-Benítez</a></span></div>
<div style="margin: 0in;">
<br /></div>
<div style="margin: 0in;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">4. <a href="http://afolhadogragoata.blogspot.com.br/2014/06/um-breve-suspiro-sobre-estereotipos-de.html">Um breve suspiro sobre estereótipos de gênero e a contracultura queer - Juliana Streva</a></span></div>
<div style="margin: 0in;">
<br /></div>
<div style="margin: 0in;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">5. <a href="http://afolhadogragoata.blogspot.com.br/2014/06/50-tons-de-feminismo-um-olhar-sobre.html">50 tons defeminismo: um olhar sobre a cultura pop - Brena O'Dwyer</a></span></div>
<div style="margin: 0in;">
<br /></div>
<br />
<div style="margin: 0in;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">6. <a href="http://afolhadogragoata.blogspot.com.br/2014/06/as-cantadas-e-o-espaco-da-mulher-na-rua.html">As Cantadas e o Espaço da Mulher na Rua - Luciana Vasconcellos</a></span></div>
A Folha do Gragoatáhttp://www.blogger.com/profile/07874333324714201901noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-2362429597082896919.post-88651281834778580032014-06-08T22:20:00.000-07:002014-06-08T22:20:53.883-07:00Carta do editor<div style="border-width: 100%; direction: ltr;">
<div style="direction: ltr; margin-left: 0in; margin-top: 0in; width: 5.0416in;">
<div style="direction: ltr; margin-left: 0in; margin-top: 0in; width: 5.0416in;">
<div style="margin-bottom: 8pt; margin-top: 0pt;">
<span style="font-family: Times, 'Times New Roman', serif; font-size: large;">Há
poucas questões capazes de colocar um freio na pluralidade que decidimos ter
aqui na Folha. Não foi muito difícil mapeá-las: são as questões que envolvem a
disseminação de sofrimento imerecido. Entre elas, está a do machismo e o
preconceito de gênero, capaz de transformar metade da população em “minoria”.</span></div>
<div style="margin-bottom: 10pt; margin-top: 0pt;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">Quando
decidimos elaborar uma edição voltada para a discussão de questões de gênero,
sabíamos que seria impossível adotar uma abordagem exaustiva da questão – o
tamanho de nosso jornal é insuficiente e, mais significativamente, a quantidade
de coisas que vem sendo produzida sobre o tema é infindável. Sendo assim, o
critério que escolhemos na seleção dos que escreveriam foi bastante
idiossincrático. Nossa equipe entrou em contato com pessoas que, sabíamos, se
dedicam a estudar este assunto e pedimos para que escrevessem sobre o que
quisessem dentro do grande conjunto dos “estudos de gênero”.</span></div>
<div style="margin-bottom: 10pt; margin-top: 0pt;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">Os
resultados foram surpreendentes. Na parte reservada aos professores,
conseguimos contribuições de duas pesquisadoras com trajetórias e temas
completamente diferentes, mesmo se unidas por curiosidades semelhantes. A
primeira que convidamos foi a professora Rachel Soihet, do departamento de
História da UFF. Seu artigo traça a trajetória da historiografia sobre as
mulheres, mostrando sua evolução como objeto de estudo. Já Maria Díaz-Benítez,
antropóloga do Museu Nacional/UFRJ, explora a liberdade que sua área lhe
proporciona para falar sobre as mulheres em um ambiente pouco discutido: os
filmes pornôs. Díaz-Benítez explora as semelhanças entre os perigos e prazeres
do pornô e do sexo “normal”, lançando mão para isso de alguns conceitos que
criou para se aproximar de algo que para muita gente é completamente
estrangeiro.</span></div>
<div style="margin-bottom: 10pt; margin-top: 0pt;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">Os
artigos da seção reservada aos alunos discutem várias das questões relacionadas
ao gênero. Sem que isso fosse pedido, todas eles se referem a aspectos da vida
cotidiana em que o machismo se faz presente: Luciana Vasconcellos discute as
cantadas de rua, ou <span style="font-style: italic;">street harassment</span>, e
seu efeito sobre a capacidade das mulheres terem uma boa experiência com o
espaço público; Brena O’Dwyer fala sobre a representação de mulheres em filmes
de sucesso, como <span style="font-style: italic;">50 tons de cinza</span>, <span style="font-style: italic;">Jogos Vorazes </span>e <span style="font-style: italic;">Crepúsculo</span>.
O artigo de Juliana Streva funciona como uma apologia desta edição: se você tem
alguma dúvida sobre a necessidade de se discutir sobre feminismo... o texto de
Streva é um excelente começo para o leitor que vir a Folha e pensar “machismo?
Isso não existe”. </span></div>
</div>
</div>
</div>
A Folha do Gragoatáhttp://www.blogger.com/profile/07874333324714201901noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2362429597082896919.post-48647757799519466582014-06-08T22:19:00.003-07:002014-06-08T22:19:53.726-07:00História das Mulheres e Relações de Gênero: debatendo algumas questões - Rachel Soihet<div style="border-width: 100%; direction: ltr;">
<div style="direction: ltr; margin-left: 0in; margin-top: 0in; width: 5.0416in;">
<div style="direction: ltr; margin-left: 0in; margin-top: 0in; width: 5.0416in;">
<div style="border-width: 100%; direction: ltr;">
<div style="direction: ltr; margin-left: 0in; margin-top: 0in; width: 5.0416in;">
<div style="direction: ltr; margin-left: 0in; margin-top: 0in; width: 5.0416in;">
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEglh8J24RJn-fUG6UwqHRbE2hCHJqXrNk9PO9Onr1XJeSfCiw5p1s0m_4MBFKt8lhRvAVdfTddMSgeQIG97ToDamyxxFQW5_Y4rY6WeeGtR7q7TJU36bjMFxOGEfaHZvx2Wj5T72bcASos/s1600/Rachel+Soihet.JPG" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEglh8J24RJn-fUG6UwqHRbE2hCHJqXrNk9PO9Onr1XJeSfCiw5p1s0m_4MBFKt8lhRvAVdfTddMSgeQIG97ToDamyxxFQW5_Y4rY6WeeGtR7q7TJU36bjMFxOGEfaHZvx2Wj5T72bcASos/s1600/Rachel+Soihet.JPG" height="150" width="200" /></a></div>
<div style="margin-bottom: 8pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, 'Times New Roman', serif; text-align: right;">Rachel Soihet é professora do departamento de
História da UFF. É uma das mais importantes historiadoras da cultura do Brasil.
Entre os assuntos que já discutiu, destacam-se a história das mulheres e a
história do samba. Publicou diversos livros, como Feminismos e antifenismos
(2013), A subversão pelo riso (1998) e Condição Feminina e formas de violência
(1989)</span></div>
<div style="margin: 0in; text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="margin-bottom: 8pt; margin-top: 0pt;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">As
contribuições recíprocas decorrentes da explosão do feminismo e das
transformações na historiografia, a partir da década de 1960, foram
fundamentais na emergência da História das Mulheres. Nesse sentido,
ressaltam-se as contribuições da História Social, da História das Mentalidades
e, posteriormente, da História Cultural, articuladas ao crescimento da
antropologia, que tiveram papel decisivo nesse processo, em que as mulheres são
alçadas à condição de objeto e sujeito da História. Fato relevante, se considerarmos
a despreocupação da historiografia dominante, herdeira do iluminismo, com a
participação diferenciada dos dois sexos, já que polarizada para um sujeito
humano universal.</span></div>
<div style="margin-bottom: 8pt; margin-top: 0pt;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">A
partir da década de 1970, “gênero” tem sido o termo usado para teorizar a
questão da diferença sexual. Foi inicialmente utilizado pelas feministas
americanas, sendo inúmeras as suas contribuições. A ênfase no caráter
fundamentalmente social, cultural das distinções baseadas no sexo, afastando o
fantasma da naturalização; a precisão emprestada à idéia de assimetria e de
hierarquia nas relações entre homens e mulheres, incorporando a dimensão das
relações de poder; o relevo ao aspecto relacional entre as mulheres e os
homens, ou seja, de que nenhuma compreensão de qualquer um dos dois poderia
existir através de um estudo que os considerasse totalmente em separado,
constituem - se em algumas dessas contribuições. Acresce-se a significação,
emprestada por esses estudos, à articulação do gênero com a classe e a
raça/etnia. Interesse indicativo não apenas do compromisso com a inclusão da
fala dos oprimidos, como da convicção de que as desigualdades de poder se
organizam, no mínimo, conforme estes três eixos.</span></div>
<div style="margin-bottom: 8pt; margin-top: 0pt;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">Todas
essas reflexões das mais fecundas não excluíram, nos primeiros tempos, críticas
à continuidade nos estudos de gênero dos dualismos, especialmente, da divisão
binária da humanidade, a partir das construções baseadas no sexo. Reflexões e
pesquisas se desenvolveram com vista a
ultrapassar tais impasses, questionando-se a utilização de uma categoria que
tem como referência a diferença sexual quando as discussões ‘politicamente
corretas’ passaram a exigir, cada vez mais privilegiar outras marcas na
explicação das desigualdades. Uma proposta seria partir de uma perspectiva
pluralista, considerando-se uma multiplicidade identitária. A difusão desses
referenciais teóricos contribuiu para a abertura de linhas de pesquisa e
reflexão sobre gênero não centradas nas mulheres. Ressalte-se a produção de
estudos sobre masculinidade e, também, os estudos queer, para os quais a obra
de Butler é altamente inspiradora<a href="file:///C:/Users/hugoa_000/Dropbox/A%20Folha/N%C3%A3o%20publicados/Edicao%20Genero/S%C3%B3%20para%20Blog/Rachel%20Soihet.doc#_edn1">[i]</a>. </span></div>
<div style="margin-bottom: 8pt; margin-top: 0pt;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">A
polêmica entre Joan Scott e as historiadoras Louise Tilly e Eleni Varikas
oferece um panorama da pluralidade de concepções acerca da questão do gênero.
Ao reforçar a necessidade de se ultrapassar os usos descritivos do gênero,
buscando a utilização de formulações teóricas, Scott afirma a impossibilidade
de uma tal conceitualização efetuar-se no domínio da história social, segundo
ela, marcado pelo determinismo econômico. Salienta a necessidade de utilizar-se
uma “epistemologia mais radical”, encontrada, segundo ela, no âmbito do
pós-estruturalismo, particularmente, em certas abordagens associadas a Michel
Foucault e Jacques Derrida, capazes de fornecer ao feminismo uma perspectiva
analítica poderosa. Nesse sentido, segundo Scott, os estudos sobre gênero devem
apontar para a necessidade da rejeição do caráter fixo e permanente da oposição
binária "masculino versus feminino" e a importância de sua
historicização e "desconstrução" nos termos de Jacques Derrida -
revertendo-se e deslocando-se a construção hierárquica, em lugar de aceitá-la
como óbvia ou como estando na natureza das coisas<a href="file:///C:/Users/hugoa_000/Dropbox/A%20Folha/N%C3%A3o%20publicados/Edicao%20Genero/S%C3%B3%20para%20Blog/Rachel%20Soihet.doc#_edn2">[ii]</a>.</span></div>
<div style="margin-bottom: 8pt; margin-top: 0pt;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">Louise
Tilly contrapõe-se a tal postura, com o que concorda Eleni Varikas, ao afirmar
que a vontade política de conceder às mulheres o estatuto de sujeitos da
história contribuiu para o encontro das historiadoras feministas com as
experiências históricas das mulheres. E, para muitas, este encontro teve lugar
no terreno da história social, do que resultaram análises notáveis de relações
entre gênero e classes sociais. Desse modo, as críticas formuladas por Joan
Scott contra a história social, quanto à marginalização das experiências
femininas, a redução do gênero a um subproduto das forças econômicas, a
indiferença pela influência do gênero na constituição do sentido na cultura e
na ideologia política foi, segundo Varikas, precisamente o que desapareceu nas
tentativas bem sucedidas de re-escrita feminista da história. Também, Tilly e
Varikas manifestam seu ceticismo quanto ao potencial de epistemologias situadas
no âmbito do pós-estruturalismo para elaborar uma visão não determinista da
história e uma visão das mulheres como sujeitos da história<a href="file:///C:/Users/hugoa_000/Dropbox/A%20Folha/N%C3%A3o%20publicados/Edicao%20Genero/S%C3%B3%20para%20Blog/Rachel%20Soihet.doc#_edn3">[iii]</a>.
</span></div>
<div style="margin-bottom: 8pt; margin-top: 0pt;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">Critica,
porém, Varikas as restrições de Tilly ao que denomina “uso mais literário e
filosófico do gênero”, atentando para a importância de se refletir com mais
precisão, acerca da influência do paradigma lingüístico sobre a história das
mulheres. Acentua Varikas a importância das abordagens no âmbito da história
das idéias e das mentalidades, que concederam um lugar privilegiado para a
análise das representações, dos discursos normativos, do imaginário coletivo;
as quais chamaram a atenção para o caráter histórico e mutante dos conteúdos do
masculino e do feminino, reconstruindo as múltiplas maneiras pelas quais as
mulheres puderam re-interpretar e re-elaborar suas significações. E os estudos
feministas não esperaram o pós-estruturalismo para sublinhar a importância das
representações e dos sistemas simbólicos na análise e na compreensão da
construção do gênero e das relações sociais que os sustentam. </span></div>
<div style="margin-bottom: 8pt; margin-top: 0pt;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">Ainda,
Scott propõe a política como domínio de utilização do gênero para análise
histórica. Justifica a escolha da política e do poder no seu sentido mais
tradicional, no que diz respeito ao governo e ao Estado Nação. Especialmente,
porque a história política teria se constituído na trincheira de resistência à
inclusão de materiais ou de questões sobre as mulheres e o gênero, vistos como
categoria de oposição aos negócios sérios da verdadeira política. Acredita que
o aprofundamento da análise dos diversos usos do gênero para justificativa ou
explicação de posições de poder fará emergir uma nova história que oferecerá
novas perspectivas às velhas questões; redefinirá as antigas questões em termos
novos - introduzindo, por exemplo, considerações sobre a família e a
sexualidade no estudo da economia e da guerra. Tornará as mulheres visíveis
como participantes ativas e estabelecerá uma distância analítica entre a
linguagem aparentemente fixada do passado e a nossa própria terminologia. Além
do mais, essa nova história abrirá possibilidades para a reflexão sobre as
atuais estratégias feministas e o futuro utópico.</span></div>
<div style="margin-bottom: 8pt; margin-top: 0pt;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">A
análise de Scott é de extrema relevância, pois incorpora contribuições das mais
inovadoras no terreno teórico, como no do próprio conhecimento histórico.
Considero, porém, que, a partir do modelo de análise proposto, alguns elementos
essenciais ao desvendamento da atuação concreta das mulheres tornam-se
dificilmente perceptíveis. Importa, portanto, examinar contribuições de outras
historiadoras, entre elas Michelle Perrot e Arlette Farge que, com esse
objetivo, não se limitam a abordar o domínio público. Recorrem a outras
esferas, como o cotidiano, no afã de trazer à tona as contribuições femininas. </span></div>
<div style="margin-bottom: 8pt; margin-top: 0pt;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">Nessa
perspectiva, ressaltam a necessidade de se buscar às mulheres nos domínios nos
quais ocorria maior evidência de participação feminina. Os estudos sobre a
sociabilidade feminina que deram lugar a importantes trabalhos sobre o
lavadouro, o forno, o mercado, a casa, assim como os estudos sobre os tempos
marcantes da vida, tomando como objetos o nascimento, o casamento e a morte são
destacados. Daí não se aterem unicamente à esfera pública - objeto exclusivo,
por largo tempo, do interesse dos historiadores impregnados do positivismo e de
condicionamentos sexistas. Explica-se, assim, a emergência do privado e do
cotidiano, nos quais emergem com toda força a presença dos segmentos
subalternos e das mulheres. Longe está o
político, porém, de estar ausente dessa esfera, na qual se desenvolvem
múltiplas relações de poder.</span></div>
<div style="margin-bottom: 8pt; margin-top: 0pt;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">Tais
historiadoras evitam o binômio dominação/subordinação como terreno único de
confronto. Apesar da dominação masculina, a atuação feminina não deixa de se
fazer sentir, através de complexos contra-poderes: poder maternal, poder
social, poder sobre outras mulheres e "compensações" no jogo da
sedução e do reinado feminino. Sua proposta metodológica é estudar o privado e
o público como uma unidade, assaz renovadora frente ao enfoque tradicional
"privado versus público". </span></div>
<div style="margin-bottom: 8pt; margin-top: 0pt;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">Advertem
as pesquisadoras que tais conclusões, acerca dos poderes femininos, não devem,
porém dar lugar a enganos, em termos de uma perspectiva conciliadora, de
justaposição de culturas, ao mesmo tempo plurais e complementares,
esquecendo-se da violência e da desigualdade que marcam a relação entre os
sexos. Inúmeros exemplos são apresentados, assinalando-se a presença da
complementaridade na divisão sexual das tarefas, o que não exclui uma
hierarquização dos papéis exercidos por homens e mulheres. Assim, reiteram a
existência da dominação masculina, instrumento indispensável para captar a
lógica do conjunto de todas as relações sociais. Entretanto, na perspectiva que
adotam, a “dominação masculina” não é mais uma constante sobre a qual toda
reflexão tropeçaria, mas a expressão de uma relação social desigual que pode
desvendar engrenagens e marcar especificidades de diferentes sistemas históricos<a href="file:///C:/Users/hugoa_000/Dropbox/A%20Folha/N%C3%A3o%20publicados/Edicao%20Genero/S%C3%B3%20para%20Blog/Rachel%20Soihet.doc#_edn4">[iv]</a>.</span></div>
<div style="margin-bottom: 8pt; margin-top: 0pt;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">Voltando
à proposta de Scott, esta não abre espaço para que emerjam as diversas
sutilezas presentes nas relações entre os sexos, das quais não estão ausentes
as alianças e consentimentos por parte das mulheres. Nesse particular são muito
adequadas as considerações de Roger Chartier, pautado em Pierre Bourdieu, que destaca na dominação masculina
o peso do aspecto simbólico, que supõe a adesão dos dominados às categorias que
embasam sua dominação. Utiliza-se Chartier do conceito de violência simbólica
que ajuda a compreender como a relação de dominação - que é uma relação
historica, cultural e linguisticamente construída - é sempre afirmada como uma
diferença de ordem natural, radical, irredutivel, universal. Outrossim, alerta
Chartier, uma tal incorporação da dominação não exclui a presença de variações
e manipulações, por parte dos dominados. O que significa que a aceitação pelas
mulheres de determinados cânones não significa, apenas, vergarem-se a uma
submissão alienante, mas, igualmente, construir um recurso que lhes permitam
deslocar ou subverter a relação de dominação. As fissuras à dominação masculina
não assumem, via de regra, a forma de rupturas espetaculares, nem se expressam
sempre num discurso de recusa ou rejeição. Definir os poderes femininos
permitidos por uma situação de sujeição e de inferioridade significa
entendê-los como uma reapropriação e um desvio dos instrumentos simbólicos que
instituem a dominação masculina, contra o seu próprio dominador.</span></div>
<div style="margin-bottom: 8pt; margin-top: 0pt;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">A
noção de resistência torna-se, dessa forma, fundamental nas abordagens sobre as
mulheres, revelando sua presença e atuação no seio de uma história construída
pelos homens, com vistas a reagir à opressão que sobre elas incide.
Historiadoras, como aquelas mais uma vez citadas, M. Perrot, Natalie Davis, A
Farge, Silva Dias, eu própria, têm se baseado nesse referencial na obtenção de
pistas que possibilitem a reconstrução da experiência concreta das mulheres em
sociedade, que no processo relacional complexo e contraditório com os homens
têm desempenhado um papel ativo na criação de sua própria história.</span></div>
<div style="margin-bottom: 8pt; margin-top: 0pt;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">Importa
esclarecer que tais observações não visam excluir a abordagem das mulheres do
terreno da política formal, sem dúvida da maior importância no estudo da
movimentação feminina, na luta por direitos e de sua participação como sujeitos
na sociedade. Afinal penetrar na esfera pública foi um velho anseio por longo
tempo vedado às mulheres. Passavam as mulheres, segundo Hannah Arendt, a
garantir sua transcendência, pois o espaço público, afirma aquela filósofa, não
pode ser construído apenas para uma
geração e planejado somente para os que estão vivos: deve transcender a duração
da vida dos homens mortais, aos quais acrescentamos, também, a das mulheres
mortais. </span></div>
<div style="margin: 0in;">
<br /></div>
<div style="margin: 0in;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;"><a href="file:///C:/Users/hugoa_000/Dropbox/A%20Folha/N%C3%A3o%20publicados/Edicao%20Genero/S%C3%B3%20para%20Blog/Rachel%20Soihet.doc#_ednref1">[i]</a>
NAVARRO-SWAIN, Tânia. “A invenção do corpo feminino ou a hora e a vez do
nomadismo identitário?” Textos de
História. Brasília: UnB, vol.8, n.1/ 2 p. 47-84.</span></div>
<div style="margin: 0in;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;"><a href="file:///C:/Users/hugoa_000/Dropbox/A%20Folha/N%C3%A3o%20publicados/Edicao%20Genero/S%C3%B3%20para%20Blog/Rachel%20Soihet.doc#_ednref2"><span lang="pt-BR">[ii]</span></a><span lang="en-US"> SCOTT, Joan W.”Prefácio a Gender
and Politics of History” Cadernos Pagu (3)1994: pp.11-26.</span></span></div>
<div style="margin: 0in;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;"><a href="file:///C:/Users/hugoa_000/Dropbox/A%20Folha/N%C3%A3o%20publicados/Edicao%20Genero/S%C3%B3%20para%20Blog/Rachel%20Soihet.doc#_ednref3">[iii]</a>
TILLY, Louise A.”Gênero, História das Mulheres e História Social” e VARIKAS,
Eleni. “Gênero, Experiência e Subjetividade: a propósito do desacordo
Tilly-Scott” Op. Cit. pp.29-62 e 63-84.</span></div>
<div style="margin: 0in;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;"><a href="file:///C:/Users/hugoa_000/Dropbox/A%20Folha/N%C3%A3o%20publicados/Edicao%20Genero/S%C3%B3%20para%20Blog/Rachel%20Soihet.doc#_ednref4"><span lang="pt-BR">[iv]</span></a><span lang="pt-BR"> </span><span lang="en-US">FARGE,
Arlette, PERROT, Michelle et allii. </span><span lang="pt-BR">“A História das
Mulheres. Cultura e Poder das Mulheres: Ensaio de Historiografia” Gênero. Revista do Núcleo Transdisciplinar de
Estudos de Gênero – NUTEG. V2, n.1. Niterói: EdUFF, 2000, PP.7-30. </span></span></div>
</div>
</div>
</div>
</div>
</div>
</div>
A Folha do Gragoatáhttp://www.blogger.com/profile/07874333324714201901noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2362429597082896919.post-50296855228025976012014-06-08T22:19:00.002-07:002014-06-08T22:19:30.375-07:00O sexo sempre é culpável? Notas sobre prazeres, perigos e fissuras na sexualidade - Maria Elvira Díaz-Benítez<div style="margin-bottom: 10pt; margin-top: 0pt; text-align: right;">
<div class="separator" style="clear: both; font-family: Calibri; font-size: 11pt; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjgpgClIPbHlJP5GmVzQ4xUpLw_Z0kqxPWwYIuT2dlimWTcyOdQvbDbu1EsGlv-f70ZXhbEQoV0OKpkQqpqNxXzvEfHehr5ctDMlKikWBtdUYxV2rL-btCVLC-NH6D8rEmXoCGxYKt10jo/s1600/Foto+Maria+Elvira2.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjgpgClIPbHlJP5GmVzQ4xUpLw_Z0kqxPWwYIuT2dlimWTcyOdQvbDbu1EsGlv-f70ZXhbEQoV0OKpkQqpqNxXzvEfHehr5ctDMlKikWBtdUYxV2rL-btCVLC-NH6D8rEmXoCGxYKt10jo/s1600/Foto+Maria+Elvira2.jpg" height="145" width="200" /></a></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif;">Maria Elvira Díaz-Benítez é professora de Antropologia Social
no Museu Nacional/UFRJ. Dedica-se ao estudo de diversos temas ligados à
sexualidade, pesquisando temas como “Corpo e sexo bizarros”, identidade sexual,
além de articulações entre raça, classe, gênero, corpos e sexualidade. Entre os
livros que publicou, destacam-se Nas redes do sexo: Os bastidores do pornô
brasileiro (2010) e Prazeres dissidentes (2009), com C. Figari. As notas de
rodapé deste texto estão disponíveis no blog da Folha.</span></div>
<div style="font-size: 11pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
<div style="font-size: 11pt;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
<div style="margin-bottom: 10pt; margin-top: 0pt; text-align: left;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">No dia que Antonio Kerstenetzky me convidou para escrever uma reflexão para a <span style="font-style: italic;">Folha do Gragoatá</span> eu acabava de receber uma
mensagem de minha amiga Berenice Bento pelo Facebook. Ela me dizia: você viu
isso? E adicionava o link que levava a um depoimento da ex-atriz pornô
norte-americana Shelley Lubben “Roxy”: <a href="http://bit.ly/1blAckX">http://bit.ly/1blAckX</a>.</span></div>
<div style="margin-bottom: 10pt; margin-top: 0pt; text-align: left;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">Ao
longo desse dia a mesma notícia passou a ser compartilhada por diversas pessoas
na rede e um grande número de comentários veio à tona. A maioria deles
condenava a indústria pornográfica por ser um mercado que permite (e até
promove) o estupro das mulheres. Nisso havia um consenso: o pornô é ruim. Houve, contudo, um comentário dissidente: uma
atriz brasileira que se desempenhou ao redor de cinco anos na indústria e
afirmou nunca ter sido objeto de abusos. Seu depoimento virou alvo de respostas
do tipo “me engana que eu gosto” ou “acorda, menina, você foi abusada todo esse
tempo e não quer aceitar”. A julgar
pelas reações, não havia dúvida de que ninguém ali acreditava na possibilidade
de que uma mulher pudesse ter algum tipo de prazer ou de agência dentro desses
mundos, pois a ideia da opressão feminina intrínseca nesse trabalho ocupava
toda primazia no discurso do coletivo. </span></div>
<div style="margin-bottom: 10pt; margin-top: 0pt; text-align: left;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">Isso
me fez lembrar as vezes que tenho sido interpelada em seminários e congressos
quando tenho apresentado minha etnografia sobre o universo de produção de
pornografia, acerca da “realidade” das mulheres. Elas gostam? O que elas acham
sobre essa carreira? Como é que elas se relacionam moralmente com essa
ocupação? Por que é que, realmente, elas ingressam? Grande parte de minha
pesquisa foi dirigida a responder alguns desses interrogantes. Eu apresentei
trajetórias onde a escolha das mulheres era evidente e onde a pornografia se
apresentava como um meio para a realização de alguns projetos pessoais, ou,
simplesmente, um meio de adquirir certos status sociais e estilos de vida
associados à juventude, a boemia, o hedonismo numa dinâmica que denominei Ética
do Instante. Nesses mundos, pude observar que as gramáticas do poder se
apresentavam de maneiras flexíveis e o suficientemente complexas como para
desafiar as noções básicas e estereotipadas de “mundos onde homens oprimem
mulheres”.</span></div>
<div style="margin-bottom: 10pt; margin-top: 0pt; text-align: left;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">Contudo,
há um incómodo que me persegue e há um incómodo em algumas pessoas em relação a
meus argumentos. Estaria eu colocando tanta ênfase no prazer e a escolha ao
ponto de obliterar a possibilidade de, efetivamente, enxergar a violência que
pode estar acompanhando certas práticas e representações? Como entender a
denúncia da Roxy sem satanizar a indústria pornográfica e, ao mesmo tempo, sem
acreditar que queixas como aquelas são falsas ou produto de mulheres
arrependidas que encontraram os caminhos da “boa” moral e por isso empreendem
cruzadas contra seu passado, como forma de redenção? </span></div>
<div style="margin-bottom: 10pt; margin-top: 0pt; text-align: left;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">Esta
é uma discussão de velha data que já protagonizou aquilo que ficou conhecido
como sex wars. O sexo foi o culpável para o movimento feminista
anti-pornográfico dos anos 70. Naquele momento, organizações como Women Against
Pornography (WAP), Feminist Fighting Pornography, a Nacional Coalition Against
Pornography, e a Women against violence in Pornography and Media atribuíram à
pornografia as causas da violência contra as mulheres, os crimes de misoginia,
a discriminação sexual e a propagação das desigualdades hierárquicas de gênero.
Para eles, a submissão das mulheres se evidenciaria ao serem representadas em
atos de humilhação, espancamentos, suplícios ou mostrando-as ajoelhadas fazendo
sexo oral, sexo com animais ou em todo tipo de cenas onde cabia ao corpo
feminino (ou efeminado, deve-se acrescentar) o lugar do violentado. </span></div>
<div style="margin-bottom: 10pt; margin-top: 0pt; text-align: left;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">A
década dos oitenta, por sua vez, trouxe novas reflexões teóricas surgidas de
outros olhares feministas que criticaram a interpretação das anteriores.
Antropólogas como Carol Vance, Gayle Rubin e Pat Califia estariam na cabeceira
deste pensamento. Para elas, as
anti-pornografia ofereciam uma imagem simplificada do poder e uma visão rígida
dos gêneros gerada no determinismo da relação dominador-dominado. A nova
perspectiva desassocia a ideia da dominação e coerção como modelo único
relativo à sexualidade, e criticaria as restrições ao comportamento sexual das
mulheres que se colocaram nos posicionamentos das feministas radicais. Nesse
feminismo pró-sex (onde o sexo não era culpável de antemão) corpo, pornografia
e sexo poderiam ser lugares de resignificação política para mulheres e outras
minorias sexuais, e o prazer virou objeto de reflexão, assim como as maneiras
alternativas e as escolhas sexuais que levam a consegui-lo. Em poucas palavras, esta postura abriu
janelas preciosas para outras formas de interpretação do prazer, erotismo e
escolha.</span></div>
<div style="margin-bottom: 10pt; margin-top: 0pt; text-align: left;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">Contudo,
um problema persistiria. Adiro-me à crítica feita pela antropóloga brasileira,
Maria Filomena Gregori, de que há de fato na bibliografia do “contra-ataque” um
não tratamento do problema da violência. Isto se deve, explica a autora, ao
fato de que grande parte da literatura relativa a estas vertentes do feminismo
se concentrou em enfatizar as práticas sexuais dentro do terreno do
lesbianismo. Tomando como ponto de partida o prazer feminino nas relações de
mulher a mulher, estes estudos dão por certo que o consentimento é garantido de
antemão e a violência e o perigo são transpostos para a arena dos prazeres.</span></div>
<div style="margin-bottom: 10pt; margin-top: 0pt; text-align: left;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">Quer
dizer, o perigo não é (nem pode ser) tudo o que explique a sexualidade
feminina, mas o prazer, por si só, tampouco dá conta. Embora Carol Vance
argumentasse que o que caracteriza a vida sexual das mulheres é uma tensão –
citando “na vida sexual das mulheres a tensão entre o perigo sexual e o prazer
sexual é muito poderosa. A sexualidade é, por sua vez, um terreno de
constrangimento, de repressão e perigo, e um terreno de exploração, prazer e
atuação” – a ideia de tensão, nas análises, parecesse ter se convertido em uma
fronteira divisória mais do que em uma linha que une, de modo intricado, duas
pontas de um mesmo contínuo. </span></div>
<div style="margin-bottom: 10pt; margin-top: 0pt; text-align: left;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">As
imagens do vídeo apresentado por Roxy são francamente chocantes. E se me
perguntassem se eu acredito que sejam reais, eu diria: sim. Mas não quero com isto dizer que o que se
esconde por trás da indústria pornográfica é o abuso e a violência como a
ex-atriz argumenta e como foi intitulada a matéria. Pornografia não é sinônimo
de maltrato e opressão contra a mulher. Contudo, a violência e o abuso podem
vir a acontecer. Como? Em meio daquilo
que eu venho denominando de fissura. Fissuras seriam aqueles instantes de
fronteira em que as emoções extrapolam o sentido dado de antemão às práticas,
são momentos em que, em meio a um ato sexual, transpassa-se do consentimento ao
abuso. As fissuras acontecem durante as
filmagens mesmas, naqueles instantes em que a pessoa (porque as fissuras não
são exclusivas das mulheres) sente em sua própria pele um certo medo, angústia
ou dor que não logrou prever no momento da negociação. Ou seja, houve consentimento, mas a prática
trouxe uma intensidade que não é possível de prever ou de antecipar e que rompe
com o pacto empreendido com o outro e consigo mesmo, ocasionando emoções que
evocam mais perigo do que prazer. A
fissura é a evidencia de que a prática extrapolou a expectativa da dor, é uma
fenda onde o ato (ou representação do ato) se torna violência, embora logo a
fissura possa se refazer por meio da sociabilidade ou a amizade que envolve a
dinâmica de grupo nos sets de filmagem.</span></div>
<div style="margin-bottom: 10pt; margin-top: 0pt; text-align: left;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">As
fissuras no pornô acontecem dentro de um ambiente controlado: certos excessos
nas práticas sexuais nessa indústria, especialmente aquelas que evocam fetiches
de dor e humilhação, fazem alusão a descontrole controlado, para usar os termos
de Featherstone. Trata-se de violências regradas onde são utilizadas técnicas
corporais para suportar a dor física, mas não por isso é menos violento. A
pornografia se baseia no exagero, e nesse tipo especifico de sexo duro se
testam os limites e nesse testar se produzem fissuras.</span></div>
<div style="margin-bottom: 10pt; margin-top: 0pt; text-align: left;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">Assim,
fazer pornografia poderia ser entendido como um prazer perigoso tal como o
entende Gregori. Há práticas ali que
podem ser interpretadas como empreendimentos de risco, nos termos da mesma
autora. São situações e negociações
delicadas onde nada está resolvido nem garantido de antemão. Experiências que
se bem implicam prazer, operam simultaneamente com tensores que podem ser
transgressores dependendo da negociação, que por momentos podem ser paródicos e
que potencialmente podem se aproximar do abuso. </span></div>
<div style="text-align: left;">
</div>
<div style="margin-bottom: 10pt; margin-top: 0pt; text-align: left;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">Agora,
no pornô nem sempre acontecem fissuras, e as fissuras não são exclusivas do
pornô. Elas também podem vir a acontecer em nosso leito, nos encontros sexuais
dos mais corriqueiros e longe do mercado. O mercado do sexo tampouco é culpável
ou perigoso de antemão assim como as sexualidades que evocam afetos e amor
romântico nem sempre são exclusivamente prazerosas.</span></div>
</div>
A Folha do Gragoatáhttp://www.blogger.com/profile/07874333324714201901noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2362429597082896919.post-71657281314521013342014-06-08T22:19:00.000-07:002014-06-08T22:19:04.370-07:00Um breve suspiro sobre estereótipos de gênero e a contracultura queer - Juliana Streva<div style="margin: 0in; text-align: right;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif;">Juliana Streva é
mestranda em Direito pela PUC. </span></div>
<div style="font-size: 11pt; margin: 0in;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
<div style="font-size: 11pt; margin: 0in;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
<div style="margin-bottom: 8pt; margin-top: 0pt;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">Os estereótipos de gênero podem ser compreendidos
como a construção social que atribui comportamentos e características ao sexo
feminino e masculino, em uma oposição binária entre homem e mulher,
generalização ainda muito presente nos dias de hoje. Neste sentido, a mulher
ainda é vista como uma pessoa sensível, frágil, cuidadosa, vaidosa, que dirige
mal, que gosta de falar ao telefone e fofocar, sonha em se casar e ser mãe e
que não deve ter uma liberdade sexual (vide xingamentos sexistas que visam reprimir
tal tipo de comportamento - puta, vadia, etc). Já o homem, como um ser viril,
forte, carismático, que joga futebol com os amigos, gosta de carro, cerveja e
que sua liberdade sexual é tida como “mais do que natural” (é, não há
xingamento algum referente a isto, pois não há repressão). </span></div>
<div style="margin-bottom: 8pt; margin-top: 0pt;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">Esta fôrma comportamental gera e enraíza uma
profunda intolerância e violência contra as pessoas que rompem com tais padrões
segregadores e limitantes, sobretudo em relação às mulheres, que sofrem
historicamente a opressão patriarcal - responsável por colocar o homem em uma
condição privilegiada no seio social.</span></div>
<div style="margin-bottom: 8pt; margin-top: 0pt;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">Mas, como muitos falam por aí, as mulheres já
conquistaram espaço na sociedade, podem trabalhar fora de casa (receber menos
que os homens), e até mesmo ser presidente (ainda se recusam o “presidenta”,
mas a questão da linguagem é também para um outro momento). Afinal, qual seria
então o sentido do movimento feminista: fazer com que as mulheres tenham acesso
às estruturas inalteradas deste sistema patriarcal ou reformular essas
estruturas de opressão?</span></div>
<div style="margin-bottom: 8pt; margin-top: 0pt;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">Muito além de fazer parte deste sistema opressor,
há o intuito de revolucionar a construção social de gênero (uma estrutura
opressora), transgredindo suas categorias através da ressignificação do termo
“feminino”, assim como do “masculino”, ou até mesmo a sua radical extinção.
Estes termos passariam a ser entendidos como adjetivos e não mais categorias
dos sexos, rompendo, portanto, com a lógica dual das oposições, recusando-se a
alternativa da exclusão (ou, ou) em favor da inclusão (e, e). </span></div>
<div style="margin-bottom: 8pt; margin-top: 0pt;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">Desta forma, o feminino transcende a alternativa
dual do sexo e do gênero e pode ser assumido por homens e por mulheres, assim
como o masculino. Como já firmado por Judith Butler, filósofa teórica de gênero
e feminismo dos Estados Unidos, o sexo identificado social ou morfologicamente
não é determinante (!).</span></div>
<div style="margin-bottom: 8pt; margin-top: 0pt;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">Os pensamentos feministas foram responsáveis pelo
desenvolvimento do movimento <span style="font-style: italic;">queer</span>
vinculado à revolução das identidades sexuais. O termo <span style="font-style: italic;">queer</span>, antes tido como pejorativo e ofensivo, transforma-se em
uma afirmação orgulhosa da multiplicidade. Este movimento permitiu o surgimento
do <span style="font-style: italic;">camp</span>, um fênomeno popular de
contracultura produtor de estranhamento relativo às categorias como a
feminilidade e a masculinidade, buscando a sua completa desnormatização. </span></div>
<div style="margin-bottom: 8pt; margin-top: 0pt;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">No meio cinematográfico, esta contracultura se
desvincula do cinema hegemônico - produtor e difusor de normatividade (cis e
heteronormativa, ou seja, que promulga a visão padronizada de que as pessoas
agem conforme o estereótipo de gênero relacionado ao seu sexo biológico, e se
interessam sexualmente, em regra, por pessoas do gênero oposto) – e vai muito
além do <span style="font-style: italic;">Bechdel Test</span>, por exemplo. </span></div>
<div style="margin-bottom: 8pt; margin-top: 0pt;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">Para quem não conhece, explico: é um teste no
qual se apresenta três perguntas básicas, com o intuito de analisar a
participação (mínima) de mulheres em filmes. As perguntas são: i) há mais de
duas mulheres no filme, com nomes? ii) elas falam uma com a outra? iii) sobre
algo que não seja um homem? Essas perguntas que beiram a máxima simplicidade e
que se pensada para homens o “sim” para todas as perguntas seria mais do que
evidente, acaba não sendo tão simples assim tendo em perspectiva as mulheres.
Anita Sarkeesian, responsável pelo site <span style="font-style: italic;">Feminist
Frequency</span>, expõe que muitos dos filmes de grande bilheteria dos Estados
Unidos não conseguem responder “sim” a estas três perguntas, como por exemplo,
X Men, Pulp Fiction, grande parte do James Bond, todos da trilogia d'O senhor
dos anéis, Shrek, Up, Clerks, Piratas do Caribe, M.I.B, Clube da Luta, etc etc
etc.</span></div>
<div style="margin-bottom: 8pt; margin-top: 0pt;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">Muito além disso, o cinema de
contracultura é responsável por subverter a ordem hegemônica sexista. John
Waters trouxe ao mundo, em 1972, uma ilustração icônica do <span style="font-style: italic;">camp</span> com
seu filme <span style="font-style: italic;">Pink Flamingos</span> protagonizado pela <span style="font-style: italic;">drag queen</span> Divine. Este filme,
reconhecido até hoje como um dos mais <span style="font-style: italic;">trash</span>, quiçá controversos,<span style="font-style: italic;"> </span>já
produzidos, apresenta uma forma transgressora, irônica e cômica da sociedade.
Juntamente com seu ulterior <span style="font-style: italic;">Female
Trouble</span>, produzido em 1974, Waters afronta a
decência e toda a noção de bons costumes. Cabe destacar que, Judith Butler se
baseou no título deste filme (<span style="font-style: italic;">Female
Trouble</span>), para intitular sua obra <span style="font-style: italic;">Gender Trouble: Feminism and the
Subversion of Identity</span>,<span style="font-style: italic;"> </span>mostrando
o caminho de mão dupla entre a arte e a teoria de gênero<span style="font-style: italic;">. </span></span></div>
<div style="margin-bottom: 8pt; margin-top: 0pt;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">Outra ilustração cinematográfica deste rompimento
do cinema cis e heteronormativo é trazido com o clássico de 1975 <span style="font-style: italic;">Dog Day Afternoon</span>, dirigido por Sidney Lumet.
Este filme conta a história de um assalto a banco realizado pelo personagem
homossexual, representado por Al Pacino. Ele, desempregado, (atenção: <span style="font-style: italic;">spoiler</span> necessário) recorre ao crime para
pagar operação de mudança de sexo de seu namorado. Este anti-herói consegue
cativar a simpatia do público que torce por ele no desenrolar da trama e, ao
mesmo tempo, torna visível uma questão pouquíssimo explorada e debatida pelo
cinema e pela sociedade, até então.</span></div>
<div style="margin-bottom: 8pt; margin-top: 0pt;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">Em 1980, influenciado pelos filmes de John
Waters, o diretor Pedro Almodóvar apresenta o seu primeiro longa, <span style="font-style: italic;">Pepi, Luci, Bom y Otras Chicas Del Montón. </span>O
filme apresenta personagens, com forte predominância de mulheres, que, em
diversas situações, se rebelam contra a normatividade comportamental,
demonstrando que toda performatividade social é passível de ridicularização.
Almodóvar participa, desta forma, também do cenário subversido do <span style="font-style: italic;">camp</span> através do absurdo, do grotesco, do
descanso com a moral, em uma postura desafiadora e questionadora.</span></div>
<div style="margin-bottom: 8pt; margin-top: 0pt;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">O movimento feminista <span style="font-style: italic;">queer</span> extendeu o seu questionamento e o seu rompimento do
sistema de repressão através do devir-minoritário por meios artísticos (como o
cinematográfico mencionado, como também em outros campos artísticos, como o
musical, com o <span style="font-style: italic;">glam rock</span> de Bowie na
fase andrógina e New York Dolls, com a pintura de Frida Kahlo e com os
quadrinhos de Laerte, por exemplo), assim como também pelos meios acadêmico
(com a já mencionada Butler, dentre outros e outras) e social (por exemplo, a
marcha das vadias). </span></div>
<div style="margin-bottom: 8pt; margin-top: 0pt;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">Afinal de contas, este movimento questionador que
subverte o mecanismo de opressão, transforma a vida de qualquer pessoa em
minoritária no sentido de permitir ao indivíduo ser múltiplo, amplo e o mais
livre possível em sua performance, autodeterminação e identidade
pessoal-social. Buscamos, assim, não mais repetir este modelo opressor,
ignorante e intolerante de “estereótipos limitantes” ou se inserir nele, mas
repensá-lo, questioná-lo e abrir espaço para a manifestação de toda a multidão
que nos habita. E lá se foi o breve suspiro.</span></div>
<div style="margin-bottom: 8pt; margin-top: 0pt;">
<br /></div>
<div style="margin-bottom: 8pt; margin-top: 0pt;">
<br /></div>
<div style="margin-bottom: 8pt; margin-top: 0pt;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">Butler, Judith. Gender Trouble:
Feminism and the Subversion of Identity, 1990.</span></div>
<div style="margin-bottom: 8pt; margin-top: 0pt;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;"><span lang="pt-BR">Cultura Visual Queer, UnB. </span><span lang="en-US">Link in: </span><a href="http://culturavisualqueer.wordpress.com/"><span lang="en-US">http://culturavisualqueer.wordpress.com/</span></a></span></div>
<div style="margin-bottom: 8pt; margin-top: 0pt;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">STAM, Robert. Introdução à teoria do cinema.<span style="font-weight: bold;"> </span>Campinas, São Paulo: Papirus, 2003.</span></div>
<div style="margin: 0in;">
</div>
<div style="margin-bottom: 8pt; margin-top: 0pt;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">Anita Sarkeesian, Feminist
Frequency, Link in: <a href="http://www.feministfrequency.com/">http://www.feministfrequency.com/</a></span></div>
<div style="font-family: Calibri; font-size: 11.0pt; margin: 0in;">
<br /></div>
A Folha do Gragoatáhttp://www.blogger.com/profile/07874333324714201901noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2362429597082896919.post-40999295505139017212014-06-08T22:18:00.000-07:002014-06-08T22:18:07.770-07:0050 tons de feminismo: um olhar sobre a cultura pop - Brena O'Dwyer<div style="margin-bottom: 8pt; margin-top: 0pt; text-align: right;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif;">Brena
O’Dwyer é mestranda pelo Instituto de Medicina Social (UERJ)</span></div>
<div style="margin-bottom: 8pt; margin-top: 0pt;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">Olhar
para os papéis de gênero na cultura pop a partir de um ponto de vista feminista
é, no geral, deprimente. Metade dos ingressos de cinema vendidos nos EUA são
comprados por mulheres, mesmo que elas estejam subrepresentadas nas telas:
entre 2007 e 2012, elas foram apenas 30% dos personagens com falas nos filmes
de Hollywood. Mas não só – são representadas ainda de forma estereotipada por
personagens hiperssexualizadas e hiper-romantizadas, se nos ativermos a uma
descrição mínima dos clichês a que são submetidas. Essa contradição é só uma
das muitas que aparecem quando se olha mais de perto a relação entre os
personagens femininos e a realidade.</span></div>
<div style="margin-bottom: 8pt; margin-top: 0pt;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">O
filme mais visto nos EUA no ano passado foi “Jogos Vorazes: Em chamas”, filme
cuja protagonista é uma mulher. Poderia ser um fato banal, mas não é, porque a
última vez que tal façanha aconteceu foi em 1973, 40 anos atrás, com o filme “O
Exorcista”. “Jogos Vorazes: Em chamas” é a adaptação de um livro. Vale notar
que apesar de o livro e o filme terem sido escritos por uma mulher, o filme foi
dirigido por um homem. Outras sagas literárias com protagonistas mulheres, que
após terem vendido milhares de livros foram adaptadas ao cinema são
“Crepúsculo” e “50 tons de cinza” (o filme está em produção e será lançado no
começo de 2015).</span></div>
<div style="margin-bottom: 8pt; margin-top: 0pt;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">São
três bestsellers, escritos por mulheres, com protagonistas mulheres e adaptados
ao cinema. Pensando superficialmente parece louvável o simples fato de serem
escritos e protagonizados por mulheres, mas é preciso problematizar essa
questão. Dizer que um livro é feminista ou que quebra com ideias tradicionais
de gênero só porque a personagem principal é uma mulher é um tanto ingênuo.</span></div>
<div style="margin-bottom: 8pt; margin-top: 0pt;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">Bella
Swan, protagonista da saga “Crepúsculo”, é uma menina que muda de cidade para
morar com seu pai e acaba se apaixonando pelo menino mais desejado da escola,
Edward Cullen, para depois descobrir que ele é um vampiro. Edward também se
apaixona por ela, mas ao longo dos livros percebe que ser o namorado de Bella a
põe em perigo e acaba deixando-a para protegê-la. Logo em seguida, a moça
conhece Jacob, um lobisomem. Assim se forma o triângulo amoroso. Poderíamos
pensar que é um livro feminista por tratar de forma natural a relação de uma
mulher com dois homens, sem taxá-la de vadia. Apesar de essa abordagem ser de
fato uma espécie de avanço, a personagem é o perfeito exemplo de donzela em
perigo, à procura de um homem que a proteja, uma personagem vulnerável, de
baixíssima autoestima e num relacionamento abusivo com Edward. O garoto chega a dizer que ela é como sua
própria marca de heroína, numa prova de sua obsessão e não de seu amor. Outro
indício desse caráter abusivo é a noite de sexo que a faz acordar machucada, no
dia seguinte, devido à superforça do personagem vampiro; não obstante, a moça
não vê nenhum problema nisso. É por isso que “Crepúsculo” pode ser considerado
como um atraso para a obra feminista, já que, apesar de a protagonista ser
feminina ela vive uma relação que não é igualitária em termos de poder, sofre
abusos e tudo isso é romantizado como se isso fosse o epítome do amor
verdadeiro.</span></div>
<div style="margin-bottom: 8pt; margin-top: 0pt;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">“50
tom de Cinza” começou como uma fanfic baseada em Crepúsculo e depois do sucesso
na internet acabou virando livro. A personagem principal, Anastasia Steele, é
uma estudante que se apaixona pelo jovem megaempresário e milionário Christian
Grey. Grey quer transformá-la em sua escrava sexual por meio de um contrato em
que ela permite que ele controle toda a sua vida. Por fim, ele obviamente se
apaixona por ela. Assim como em Crepúsculo, o relacionamento dos dois é
abusivo: Grey quer controlar toda a vida de Anastasia: o que ela come, se ela
se exercita, onde ela trabalha, etc. A justificativa para o comportamento dele
é seu passado cheio de abusos, Ou seja: a partir do momento que existe uma
“justificativa” para seu comportamento, tudo está resolvido. O amor que ela
sente por ele vai salvá-lo da situação. </span></div>
<div style="margin-bottom: 8pt; margin-top: 0pt;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">Não
é preciso dizer que isso é um péssimo exemplo de relacionamento, porém o
interessante sobre os livros da trilogia é que eles mostram muitas, muitas,
muitas cenas de sexo. Ao mesmo tempo que o livro gira em torno de um
relacionamento machista ele revela uma demanda: pornografia feita por mulheres
e para mulheres. Uma demanda, diga-se de passagem, muito importante na quebra
de papéis tradicionais de gênero, afinal, espera-se que mulheres sejam somente
objeto de desejo e nunca sujeitos desejantes. É impressionante que um
bestseller mundial gire em torno de sexo e que esse sexo seja escrito de forma
erótica para mulheres. É um contrassenso, já que, apesar do sexo, o livro
também é um atraso para a obra feminista. Mas pelo menos abre espaço para que
outros livros eróticos para mulheres – de preferência mais feministas- entrem
na lista dos mais vendidos.</span></div>
<div style="margin-bottom: 8pt; margin-top: 0pt;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">“Jogos
Vorazes” pode ser considerado o livro mais feminista entre os três. Katniss
Everdeen, a protagonista, vive em um mundo com 12 distritos e uma capital. A
cada ano, um menino e uma menina são selecionados para participar de um reality
show em que os jovens devem se matar até restar somente um vencedor. É
interessante notar que meninos e meninas competem de igual para igual na arena.
O clichê do triângulo amoroso está presente, mas a trama não gira em torno das
relações amorosas da personagem, e sim da revolução social que se desenrola
depois que Katniss vence os jogos. Katniss, ao contrário de Bella e Anastasia,
não precisa ser protegida. É esperta, sabe caçar e não se submete à vontade dos
homens, ao mesmo tempo é extremamente emocional e faz de tudo para cuidar de
sua irmã mais nova. Katniss é uma personagem contraditória que ajuda a entender
que gênero não é algo tão essencializado e binário, passível de ser pensado
mais como uma gradação e menos como dois opostos.</span></div>
<div style="margin-bottom: 8pt; margin-top: 0pt;">
</div>
<div style="margin-bottom: 8pt; margin-top: 0pt;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">Claro
que ainda há muito esforço a ser feito. Não quero nem falar da
sub-representação de personagens negras e negros, gays (mesmo com o sucesso de
“Azul a cor mais quente”) e transexuais. Mesmo assim, é importante entender as
contradições na indústria pop porque ela representa e simultaneamente constrói
o mundo em que vivemos. Isto é, ao mesmo tempo em que esses livros e filmes
representam algumas características da nossa realidade e da forma como vivemos,
eles também ajudam a construir essa realidade por meio do exemplo, tomando-o
como um meio de legitimar essas características. Assim, um livro ou filme pode
ajudar a legitimar os papéis tradicionais de gênero, mas também pode
desconstruí-los. Entendendo as tensões entre os papéis de gênero na cultura pop
podemos entender um pouco melhor que esses papéis não são tão opostos e
essenciais nas nossas próprias vidas e podemos tentar transitar mais entre
eles. E que nunca podemos deixar de criticá-los.</span></div>
A Folha do Gragoatáhttp://www.blogger.com/profile/07874333324714201901noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-2362429597082896919.post-2898831739886343952014-06-08T22:17:00.000-07:002014-06-08T22:17:12.313-07:00 As Cantadas e o Espaço da Mulher na Rua - Luciana Vasconcellos<div style="margin-bottom: 10pt; margin-top: 0pt; text-align: right;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif;">Luciana
Vasconcellos é graduanda em direito pela PUC</span></div>
<div style="margin-bottom: 10pt; margin-top: 0pt; text-align: right;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="margin-bottom: 10pt; margin-top: 0pt;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">Andar
pelas ruas de uma cidade grande como o Rio de Janeiro é ter a certeza que seu
caminho não será um de silêncio e contemplação. Inevitavelmente você irá
encontrar pedintes, pessoas oferecendo panfletos e até turistas pedindo
informação – situações cotidianas em que estranhos interferem na sua vida
privada. Acontece que, se você é mulher, as interferências no seu espaço
particular ultrapassam as experiências de civilidade e assumem um aspecto de
assédio no espaço público – as cantadas vulgares que se mascaram de elogios, os
gritos e buzinadas de homens que realmente acham que estão agradando, sem
imaginar o quão desconfortável ou o quão ameaçador aquela situação se coloca
nos nossos dias.</span></div>
<div style="margin-bottom: 10pt; margin-top: 0pt;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">O
assédio sexual no espaço público (<i>street</i> <i>harassment</i>) ocorre quando uma mulher
em um espaço público é vítima de uma intromissão por um ou mais homens
desconhecidos que fazem comentários, barulhos ou gestos, frequentemente com
conotação sexual, assegurando seu alegado direito de obter a atenção desta
mulher, definindo-a como um objeto sexual e forçando-a a interagir com eles.
Esse tipo de assédio é vivenciado por mulheres de todas as idades em seu
cotidiano e, muitas vezes, por esse motivo, é tido como um fato mundano na vida
delas, uma realidade infortuna que se coloca como trivial e não parece ser
digna de uma resposta por qualquer autoridade pública, pondo-se como impossível
de se prevenir. Nesse sentido, o assédio sexual no espaço público funciona como
um obstáculo ao acesso e à permanência da mulher a esse espaço, utilizando-se
do gênero como ferramenta para definir, classificar e discriminar membros da
sociedade, impactando o momento, a freqüência e a duração da convivência da
mulher na sua vida cívica.</span></div>
<div style="margin-bottom: 10pt; margin-top: 0pt;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">O
<i>street</i> <i>harassment</i>, por seu caráter predominantemente sexual, transforma-se em
uma lembrança permanente de como a mulher é vulnerável sexualmente. Enquanto um
simples comentário não causa danos físicos, ele faz parte de um espectro
contínuo de atenção sexual indesejada, o qual não pode ser ignorado e que pode
significar o início de uma ameaça de violência sexual. Isso se torna uma
verdade ainda maior quando consideramos que o assédio sexual público pode ir
além do aspecto verbal e envolver contato físico forçado. Por meio de
comentários sobre a aparência de uma mulher que está apenas seguindo seu
caminho, o homem reforça o entendimento de que ela não pode existir em público
como uma igual. Ele transforma seu gênero e seus atributos físicos no aspecto primário
de sua existência no espaço público. O <i>street</i> <i>harassment</i> não permite que a
mulher exerça sua subjetividade na escolha de como e quando seu gênero será um
fator de definição de sua identidade e individualidade</span></div>
<div style="margin-bottom: 10pt; margin-top: 0pt;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">O
assédio sexual no espaço público muda o modo como a mulher experiencia a vida
pública e sua consequente perspectiva sobre sua segurança na rua e seu
sentimento de pertencimento àquele espaço. Nesse sentido, pode-se entender que
o <i>street</i> <i>harassment</i> implica na ratificação dos papéis tradicionalmente
exercidos por cada gênero, uma vez que, para evitá-lo completamente, a única
opção que a mulher tem é permanecer em casa e não conviver nos espaços
públicos. Por vezes, a responsabilidade pela ocorrência do assédio é atribuída
à mulher, a qual estaria “querendo chamar atenção” ou “pedindo por aquilo”. A
cultivação da cultura do estupro faz com que as mulheres criem estratégias para
tentar amenizar as ocorrências do assédio, seja alterando o modo como se vestem,
mudando o trajeto que percorrem ou usando homens como “guarda-costas”,
reforçando a concepção tradicional do lugar de cada gênero – se a mulher decide
entrar no espaço público, ela deve fazê-lo na companhia de um defensor
masculino. <i>Street</i> <i>harassment</i> é uma forma de vitimização da mulher, tornando-a
impotente para combater um sistema generalizado de desigualdade sexual pelo
grande alcance e insídia do problema.</span></div>
<div style="margin-bottom: 10pt; margin-top: 0pt;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">O
assédio sexual no espaço público também tem um significante efeito no discurso
sobre o espaço urbano. Quem pode acessar o espaço público? Por quê?, e o que
isso significa?, são questões centrais no crescimento e desenvolvimento de
cidades. A inexistência do <i>street</i> <i>harassment</i> no discurso público demonstra a
falta de prioridade que a questão assume perante o poder público, o que
corrobora como o espaço urbano é construído para ser mais receptivo e próspero
para determinados cidadãos. Por exemplo, o fato de que urinar em público e
jogar papel no chão são matérias tratadas por políticas públicas e dignas de
atendimento legal e consequente punição, enquanto o assédio sexual no espaço
público é uma questão completamente ignorada, mostra quais são as prioridades
na formação do espaço urbano. Obviamente, a poluição das ruas deve ser
combatida e merece a atenção do poder público, mas por que a dignidade sexual
da mulher também não é alvo dessa preocupação?</span></div>
<div style="margin-bottom: 10pt; margin-top: 0pt;">
</div>
<div style="margin-bottom: 10pt; margin-top: 0pt;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">Os
quadros políticos são construídos para fazer parecer que o assédio sexual no
espaço público é um infeliz, porém inevitável, fato da vida moderna, nomeá-lo e
defini-lo representa um grande valor estratégico e político. Definir um
fenômeno é o primeiro passo para a compreensão de seu escopo e de suas
conseqüências. Porém, quando os próprios agentes do Estado não estão preparados
para lidar com esse assunto, por vezes agindo como autores dessas ofensas, a
mensagem passada para vítimas, agressores e espectadores é a de que o <i>street</i>
<i>harassment</i> é, no mínimo um problema tão leve que deve ser tolerado. A pouca
freqüência com que a expressão é utilizada para descrever a experiência
feminina cria uma nebulosidade sobre os danos causados e corrobora a trivialização
do <i>street</i> <i>harassment</i>. Em termos de reforma política, é difícil aprovar leis que
possam impedir o assédio sexual no espaço público se há pouca consciência do
próprio conceito. O assédio sexual no espaço público impõe-se como uma barreira
física e metafórica ao acesso da mulher a uma sociedade mais igualitária,
reforçando sua sensação de impotência e de vulnerabilidade sexual, fazendo com
que a ameaça de violência sexual pareça constante. Por isso devemos nos
esforçar para fazer com que o <i>street</i> <i>harassment</i> torne-se visível culturalmente,
para que os danos por ele causado possam, um dia, ter tratamento legal.</span></div>
A Folha do Gragoatáhttp://www.blogger.com/profile/07874333324714201901noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2362429597082896919.post-13631666836573783982014-04-30T09:33:00.001-07:002014-04-30T09:36:31.112-07:00Edição de Abril de 2014<u>Não teve acesso à versão impressa? <a href="http://issuu.com/afolhadogragoata/docs/edicao-abr-2014-final">Clique aqui</a> para ver como ficou.</u><br />
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span><span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Conteúdo:<br /><br />1.<u> <a href="http://afolhadogragoata.blogspot.com.br/2014/04/carta-do-editor.html" target="_blank">Carta do Editor</a></u><br /><br />2. <a href="http://afolhadogragoata.blogspot.com.br/2014/04/nao-aconteceu-nada-em-junho-de-2013.html">Não aconteceu nada em Junho de 2013 - Marcos Nobre</a></span><br />
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">3.<u> <a href="http://afolhadogragoata.blogspot.com.br/2014/04/big-brother-carioca-centros-de-controle.html" target="_blank">Big Brother carioca: centros de controle e monitoramento de geografia bruta - Rogério Haesbaert</a></u><br /><br />4. <u><a href="http://afolhadogragoata.blogspot.com.br/2014/04/o-encontro-das-tres-aguas-breno-goes.html" target="_blank">O Encontro das Três Águas - Breno Góes</a></u><br /><br />5. <u><a href="http://afolhadogragoata.blogspot.com.br/2014/04/o-traco-de-camila-pizzoloto.html" target="_blank">O Traço de Camila Pizzoloto</a></u></span><br />
<div>
<br /></div>
A Folha do Gragoatáhttp://www.blogger.com/profile/07874333324714201901noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2362429597082896919.post-51674676821722797782014-04-30T09:30:00.002-07:002014-04-30T09:33:56.164-07:00Carta do Editor<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">Sem que esta fosse
nossa intenção, a edição deste mês tem um tema que a perpassa. Rogério
Haesbaert e Marcos Nobre escreveram
sobre o que talvez seja, desde as manifestações de junho do ano passado, o tema
mais importante para as Ciências Humanas no Brasil. Vivemos um dos poucos
momentos na História do Brasil em que parece que temos o poder de moldar a
sociedade em que vivemos. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">Haesbaert, professor
da Geografia da UFF, escreve sobre um dos instrumentos de “organização
científica” da sociedade, o Centro de Controle de Operações da prefeitura do
Rio. O Centro, defende, é evidência de um projeto de cidade que vê como mais
importantes as situações excepcionais pelas quais o Rio passará ,em especial os grandes eventos; e que coloca
mais ênfase nas situações de exceção, ou “crises” e sua pronta resolução. Seu
artigo, portanto, discute um dos projetos de moldar a sociedade, que
(infelizmente) tem grande poder e influência no caso do munícipio do Rio. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">Este projeto parece
ter sido criado, em parte, para conter as formas de política que pedem por
outros projetos: encara eventos como as grandes manifestações do ano passado
como as “crises” que deve solucionar (seja lá o que isso queira dizer). <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">Já Marcos Nobre, professor
de Filosofia da UNICAMP, escreveu motivado por uma frase que se tornou comum:
“Não aconteceu nada em junho”. As manifestações, tendo sido esvaziadas por
diversos motivos (entre os mais discutidos, a violência da polícia e de
manifestantes mais radicais, a grande divergência das reivindicações, a
inexistência de uma liderança... ), não teriam nenhuma consequência concreta,
dizem seus críticos de hoje. Muitos dos que dizem isso estiveram na Rio Branco,
na Presidente Vargas, e no Palácio Guanabara, e o fato de não mais se
identificarem com seu próprio entusiasmo da época os faz ainda mais
pessimistas.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">Nobre tenta algo
corajoso: para ele não só de fato “aconteceu” algo como o que aconteceu foi uma
mudança radical na democracia brasileira. Tratou-se de uma rejeição sistemática
do que chama de “pemedebismo”, ou a criação de unidades políticas forçadas em
nome de uma governabilidade. O Junho de 2013, para Nobre, representou o povo
brasileiro exigindo a volta da polarização política verdadeira, e quem sabe o
novo jogo de alianças que aos poucos se delineia para as próximas eleições seja
exatamente reflexo disso. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;"><br /></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">Na nossa seção
dedicada aos alunos, o tema reaparece. A fantástica crônica de Breno Góes trata
das manifestações, pela primeira vez entre todos os textos que li que as tem
como objeto, com humor. Não anteciparei nada para não roubar do texto sua engenhosidade.
E, para fugir um pouco de junho, incluímos também os desenhos mais
introspectivos de Camila Pizzolotto, cujo traço é formidável. Aqui, na edição online
da Folha, os temos em maior quantidade, vale a pena <a href="http://afolhadogragoata.blogspot.com.br/2014/04/o-traco-de-camila-pizzoloto.html">clicar</a>. </span><o:p></o:p></div>
A Folha do Gragoatáhttp://www.blogger.com/profile/07874333324714201901noreply@blogger.com0