Os que ingressaram nas Universidades Federais nos últimos sete anos, ou seja, muitos servidores técnico-administrativos, cerca de metade dos docentes e praticamente todos os estudantes, nunca viveram a experiência de uma greve de docentes. Em 2011, quando Fasubra e Sinasefe (as entidades nacionais de servidores técnico-administrativos e trabalhadores das instituições federais de ensino básico e tecnológico), fizeram uma greve, havia uma forte expectativa de greve dos docentes das Universidades Federais, mas a categoria não se mostrou suficientemente mobilizada e a greve não aconteceu. Para muitos isso pareceu significar o fim de uma era, marcada por greves docentes a cada dois anos em média e por fortes enfrentamentos com os governos e seus projetos para a Universidade brasileira. No entanto, nas últimas semanas, propôs-se e deflagrou-se uma das mais fortes greves da história do sindicalismo docente nas federais, com a adesão de 48 instituições em poucos dias, muitas das quais Universidades novas, criadas nos últimos anos. Para quase todos, uma surpresa.
A dinâmica dos conflitos sociais nos reserva surpresas, mas não nos dispensa de compreendê-las. Por que uma greve tão forte emergiu nestes últimos dias?
Para entendê-lo é necessário reconhecer que a pauta do movimento, curta e direta, representa de fato uma forte insatisfação. A pauta: uma reestruturação da carreira docente e a melhoria das condições de trabalho. Sobre a carreira, a questão é simples: após 25 anos de aprovação do Plano Único que passou a reger a carreira docente, em 1987, sucessivas políticas salariais para a Universidade depreciaram e desestruturaram a carreira. O que se reivindica é, basicamente, uma única linha de vencimento nos contracheques (com a incorporação das gratificações e o entendimento do percentual de titulação como parte do vencimento), com 13 níveis, steps (percentuais entre os níveis) de 5%, acesso interno à carreira ao nível de Professor Titular, com paridade entre ativos e aposentados e isonomia entre professores(as) da carreira do magistério superior e da carreira de ensino básico, técnico e tecnológico. O piso para professor 20h no início da carreira seria de R$ 2.329,35 (um salário mínimo do DIEESE, calculado com base nas necessidades mínimas de um trabalhador e sua família, conforme dita a Constituição). O governo, que comprometeu-se a concluir negociações sobre o tema em março e agora fala em adiar a questão para 2013, acena com uma carreira mais desequilibrada em termos salariais, com um piso baixíssimo e promoções atreladas a critérios produtivistas, visando diferenciar um pequeno contingente melhor remunerado (por projetos e pela atuação em pós-graduações) e uma imensa maioria de docentes sobrecarregados com a elevação da carga de trabalho em sala de aulas de graduação. Já quanto às condições de trabalho, cinco anos após o início do REUNI, as instituições federais criaram centenas de novos cursos e ampliaram em dezenas de milhares as suas vagas de ingresso discente. O governo, entretanto, não garantiu até agora nem mesmo o relativamente (à ampliação das matrículas) pequeno número de concursos públicos para docentes com o qual se comprometeu em 2007. As obras de expansão carecem de verbas para sua complementação, gerando ausência de laboratórios, bibliotecas e salas de aula nas novas unidades, assim como superlotação nas antigas. Some-se a isso a enorme deficiência no campo da assistência estudantil, cada vez mais necessária na medida em que entre os novos estudantes tendem a ingressar contingentes cada vez maiores de trabalhadores(as) e filhos(as) de trabalhadores(as), sem condições de arcar com os custos de transporte, moradia, alimentação e material didático minimamente necessários para a vida universitária.
A greve pode ter colhido a muitos(as) de surpresa, mas está longe de ser um fenômeno de difícil explicação. Professores e professoras (e estudantes que aderem ao movimento em muitas universidades) optaram por esse instrumento de luta porque estão conscientes de sua necessidade diante da deterioração de sua carreira e das condições de trabalho. E perceberam que ou freiam agora o desmonte, ou serão arrastados ao fundo do poço em poucos anos.●
Este texto é uma versão menor de uma carta aberta publicada pelo professor Mattos em reposta ao professor Daniel Aarão Reis.
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