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quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Daniel Aarão Reis: A Comissão da Verdade será de mentirinha?





Daniel Aarão Reis é professor titular de História Contemporânea na Universidade Federal Fluminense. É autor de De Volta à Estação Finlândia (1993) e Imagens da Revolução Russa (2006), entre outros títulos. Durante a ditadura militar, militou no Movimento Revolucionário Oito de Outubro (MR-8).

Aprovada há cerca de seis meses, a Comissão da Verdade foi, afinal, constituída. Menos mal. A ânsia de obter um amplo consenso esteve, certamente, na raiz de uma protelação que já se eternizava. A Comissão vai ter que lidar com suas condições: a quase total dependência à Presidência da República, os poderes mais do que limitados (não pode convocar ninguém, apenas convidar), os limites orçamentários – estreitos – e a amplitude de seu escopo – demasiadamente largo.

Tudo isto conduz a um certo ceticismo quanto à possível eficácia da Comissão. No entanto, não quer dizer que sua atuação será necessariamente nula. Vai depender de como a sociedade irá encará-la, como se disporá a se mobilizar em torno dos temas sujeitos à apreciação.

Recentemente, surgiu um movimento interessante e que provocou bastante barulho. Tentando trazer para aqui o exemplo dos “escrachos” argentinos, grupos de jovens – contando também com a presença de alguns velhinhos – foram às casas onde moram torturadores com o objetivo de denunciá-los à sociedade e de escrachá-los, ou seja, esculachá-los. Os militantes também atormentaram militares da reserva – inclusive alguns torturadores notórios -, que se reuniram no Clube Militar para uma sessão-nostalgia a respeito dos “velhos bons tempos” da ditadura civil-militar, instaurada em março de 1964.

A agitação foi um sucesso. Atraiu atenção e suscitou inúmeras discussões, sobretudo em escolas e universidades.

Trata-se, agora, de manter o ritmo das agitações e dos debates. Os torturadores devem contas à sociedade. Não podem escapar de julgamento, porque os crimes que cometeram são imprescritíveis, segundo tratados internacionais assinados pelo Brasil e que não podem ser ignorados, apesar da decisão conciliadora do Supremo Tribunal Federal.

Entretanto, eles não deveriam ser apontados como “bodes expiatórios”. A rigor, aplicaram uma política de Estado – a da tortura sistemática de todos os opositores considerados radicais. Assim, devem ser também responsabilizados os altos mandos que autorizaram a tortura e cobriram com seu manto a ação dos torturadores. E, finalmente, mas não menos importante, também deve ser questionada a tortura como tradição, aceita e naturalizada por amplos segmentos da população brasileira. Afinal, a tortura não começou a ser praticada com a ditadura mais recente, nem terminou com ela.

Enquanto a sociedade não estiver disposta a discutir, em profundidade, estas questões, não terá condições de superar a infame prática.

Não seria o caso de pressionar a Comissão da Verdade para conduzir os seus debates nestes termos? Se o fizesse, estaria contribuindo positivamente para o enfrentamento desta chaga que faz do Brasil um país de torturados e de torturadores. ●

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