sábado, 16 de novembro de 2013

“A mulher e a casa” A paixão de uma historiadora pelo romance entre uma senhora de escravos e um abolicionista: Eufrásia Teixeira Leite e Joaquim Nabuco - Eneida Queiroz

A personagem que narra este romance é uma historiadora. Narradora de um livro, cuja primeira frase é um conselho: “não façam história”. E assim, pela via da negação, o enredo segue como uma declaração de amor à história do Brasil.

Aqueles que fizeram faculdade de história provavelmente sentiram a mesma angústia que eu e alguns colegas sentimos, ao vermos o final da graduação se aproximar. Não só porque gostávamos do curso, mas também porque se aproximava o desemprego: o que fazer? Prosseguir nos estudos com mestrados e doutorados? Com quais garantias de futuro? Dar aulas em escolas? Fazer pesquisa? Onde? Por qual salário?
Essa não é angústia que recai só sobre os graduandos de história, recai sobre inúmeras carreiras, mas entre os alunos das ciências humanas costuma ser mais cruel. Entretanto, mesmo diante de algumas desistências (como colegas que fazem outra graduação, que partem para os concursos públicos de tribunais e bancos, que seguem para outros trabalhos), alguns persistem. Por quê?
Porque gostam.  
Sim, nós amamos história. Como disse Marc Bloch ao seu neto, a história nos diverte. E para alguns: isso basta.
Para mim, que sou graduada e mestre em história pela UFF, essa diversão quase sempre me bastou. Via-me por vezes imersa e encantada com os textos das disciplinas (ou ao encontrar as fontes do meu mestrado no Arquivo Nacional), por outras preocupada com as poucas oportunidades da carreira. E, assim, entre amar a história e me repreender pela escolha da carreira, não me via recomeçando do zero em outra graduação.
Passei no concurso para historiadora do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), uma autarquia do Ministério da Cultura. Esse foi um concurso com vagas para museólogos, sociólogos, arqueólogos, historiadores, antropólogos: nós de humanas. Tive contato com inúmeros museus que não conhecia, seus acervos e histórias fantásticas. Um deles me chamou mais atenção: o Museu Casa da Hera, em Vassouras, onde viveu a financista Eufrásia Teixeira Leite. E eu, que sempre amei a história assim como amo a ficção, acreditei que poderia narrar a história desse museu (e de seus personagens) por intermédio de uma historiadora tão apaixonada, e ainda assim tão dividida, quanto eu e outros tantos que conheço: Desirée.
Desirée é uma mistura de inúmeros colegas da graduação e do mestrado. Para aqueles que tentam me encontrar nela, eu digo: não sou eu, somos nós. Assim, frustrada com os baixos salários e as poucas oportunidades da carreira, Desirée tenta alertar os leitores sobre os perigos dessa opção de vida. Mas ela própria não consegue se desvencilhar da carreira que tanto ama.
Apaixonada por história do Brasil, a personagem descobre no novo trabalho a história de Eufrásia Teixeira Leite e o abolicionista Joaquim Nabuco. Ao começar a trabalhar na antiga residência de Eufrásia, a protagonista é surpreendida por esse romance e faz uma viagem sem volta ao século XIX, por meio das cartas trocadas entre os dois.
Eufrásia Teixeira Leite foi uma mulher do século XIX que decuplicou a herança do pai no mercado financeiro, doou-a para instituições de caridade religiosas de Vassouras, não se casou nem teve filhos, um fenômeno raro para a época. No entanto, corre a lenda de que ela teria pedido para ser enterrada com as cartas do noivo. Percebi, de imediato, que havia uma complexidade naquela mulher que precisava ser explorada.
O noivo era o famoso Joaquim Nabuco. Como se não bastasse a luta pela abolição da escravatura na qual se engajou (que foi uma das maiores batalhas políticas desse país), Nabuco foi um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras, amigo de Machado de Assis, amigo de Eça de Queirós, deputado, diplomata, e historiador.
Rica e inteligente, esta senhora de escravos desperta uma paixão inconciliável no abolicionista. O famoso casal vive uma história de amor entre o Brasil e a Europa, com muitas correspondências, viagens e encontros. Amor que só se concretiza, quando os dois equalizam as divergências ideológicas e tornam-se um só sentimento, ainda que por pouco tempo.
A ideia do romance era fazer Desirée e os leitores terem contato com as cartas escritas por Eufrásia, transcrições das originais guardadas pela Fundação Joaquim Nabuco, e encontrar as desaparecidas cartas escritas por Nabuco. E, assim, costurá-las com os eventos históricos que o país vivia. Fiz questão de casar as cartas com os diários de Nabuco, e toda vez que Eufrásia era mencionada, eu transcrevia o que ele dissera e recriava a cena: como o primeiro Natal em Paris, o reencontro com ela em Roma alguns meses após o término do noivado, o reencontro na casa da Princesa Isabel. Isso tudo aconteceu, ele próprio documentou. Também recriei algumas cenas de infância que Nabuco narrou no livro Minha formação. Entre os gaps das fontes, a ficção do romance saltava mais alto, mas sempre tentando amparar-se na verossimilhança.

Desirée submergiu nas águas escuras da história e eu ainda não consegui reencontrá-la.

Se você, assim como ela, também se perde em seus textos e suas fontes com tanta facilidade, e quiser ler o livro, ele pode ser encontrado em seu formato digital no site da Livraria Saraiva. O livro físico pode ser encontrado no site da Editora Baraúna ou no site da Livraria da Travessa.

Eneida Queiroz é graduada e mestre em História pela UFF

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