Beatriz Reis é graduanda em Comunicação Visual pela UFRJ.
No último
período decidi me inscrever em algumas matérias do curso de filosofia, pois estava
considerando a possibilidade de pedir transferência e queria conhecer as
disciplinas. Na primeira aula, tive uma breve conversa com um professor. Eu só
queria lhe dizer que eu não fazia graduação em filosofia e lhe pedir alguma
bibliografia complementar. O diálogo foi mais ou menos este aqui:
Eu:
Será que você poderia me indicar alguns livros sobre o assunto que discutiremos
na aula? Eu estudo comunicação visual e (...).
Professor:
Que ótimo! É claro que posso, anota aí (...) mas me diz uma coisa... Por que
você está aqui? Como é que essa aula será útil
para você?
Não
à toa, essa pergunta me deixou sem palavras. A questão era bastante absurda, pois
a utilidade daquela aula me parecia ao mesmo tempo tão óbvia e tão absolutamente
desnecessária de ser questionada que não soube o que responder.
Pensando
bem, eu não estava esperando nenhuma serventia
daquela aula. Eu não estava pensando se ela me seria útil ou não. Eu estava,
simplesmente, com vontade de aprender mais sobre aquele assunto, mesmo achando que
ele não me traria qualquer vantagem aparente (ao menos no que diz respeito ao
exercício da minha profissão, que era o que estava em jogo no diálogo
empreendido). No fim das contas, parei de ir às aulas, que eram bem chatas, mas
essa questão não saiu da minha cabeça.
O
dicionário define “útil” da seguinte forma: adj m+f (lat utile) 1 Que tem ou pode ter algum uso, ou que serve para alguma coisa.
2 Vantajoso, proveitoso.
É
claro que a tal disciplina serve para alguma coisa e é proveitosa, de alguma
forma. Isso é realmente óbvio. Mas eu percebia que a questão não era bem essa,
ele não estava questionando sua utilidade enquanto professor, nem mesmo a
utilidade de sua disciplina dentro do fluxograma da graduação em filosofia. A
coisa era pessoal: “como é que essa aula será útil para você?”...
Eu
poderia ter respondido essa questão com um bocado de frases feitas: “só levamos
da vida o que aprendemos” ou “tudo vale a pena se a alma não é pequena”. Mas
essas respostas também não pareciam suficientes, pois eu sentia que o “útil”
aqui, não era o que seria útil apenas para mim, mas o que faria com que eu me
tornasse mais útil para o mundo. Ou seja, como é que aquela disciplina me
tornaria uma artista visual mais utilizável?
Sinceramente,
ainda não sei responder a esta pergunta. A verdade é que estudar filosofia
estava, de certa forma, me inutilizando
enquanto designer: eu estava pensando mais, lendo mais e, a cada dia, me
interessando menos pela prática do design. Eu estava cada vez mais lenta, mas
cada vez mais culta. Se me dessem um tempo, eu (acho que) criaria bons
projetos. Mas não, não me deram, pois o “é pra ontem!” impera nos escritórios. Platão
não tem nada a ver com um projeto de embalagem para uma marca de biscoitos. Eu
me sentia, então, em um limbo: nem designer, nem “filósofa”. E a ideia de que
eu deveria ser, de alguma forma, útil/utilizável me fazia tremer de medo.
Comecei
a perceber a enorme quantidade de coisas “inúteis” que eu fazia durante a
semana. Coisas que não estavam me ajudando a ser alguém mais utilizável, mas me
ajudando a viver e a me sentir confortável com a (única) vida que tenho. Devo
incluir nessa categoria todos os livros que li no mês passado, as horas que
perdi assistindo aos filmes da Sessão da Tarde e o tempo que gastei olhando
para o céu, sem fazer absolutamente nada.
Há
quem vá justificar tudo isso através de uma lógica pró-utilidade, dizendo que é necessário que eu descanse ou que ler
livros me torna mais inteligente e que ver filmes me deixa menos estressada e,
por isso, todas essas coisas aparentemente inúteis, são, afinal, muito úteis. Mas
é justamente esse o ponto que tanto me incomoda. Podemos sempre pensar do modo
mais corriqueiro: tudo o que você faz, todas as coisas novas que você aprende,
serão boas para você, logo, acabarão sendo úteis. Atrelamos, portanto, a
utilidade de uma coisa aos benefícios que dela tiramos. Até aí tudo bem, mas será
que precisamos mesmo justificar todos os nossos atos, todas as nossas vontades,
interesses, hobbies, através dessa lógica?
Por
que será que é tão desconfortável sentir-se inútil? Por que é tão difícil parar
um pouco? Se nos damos conta de que a vida é uma enorme ausência de sentido,
toda a utilidade aparente vai para o lixo. Nesse caso, dizer que algo é útil
porque te trará um conforto qualquer ou te permitirá alguma coisa no futuro, só
esconde o medo que sentimos de que tudo o que fazemos não é útil para nada, de
que todas as nossas ações são fundadas nesse mesmo medo e que só nos movemos
porque ficar parado é assustador.
Este,
porém, não é um ensaio anti-utilidade.
Contudo, acho que deveríamos fazer uma força para enxergar que a linha que
divide o útil do inútil é uma invenção nossa. No fim das contas, ambos são
exatamente a mesma coisa. Precisamos aprender que “tudo bem” se nada do que
fizermos der em lugar nenhum; ou “tudo bem” se nada faz mesmo muito sentido.
A
verdade é que nos sentiríamos bem mais livres se tentássemos parar de dividir
todas as nossas ações e interesses entre úteis e inúteis. Na impossibilidade de
agir dessa forma, o inútil se apresenta como saída possível, como fim-de-linha
para a absurda lógica do movimento constante da utilidade. Parar, nesse caso,
não significa deixar de pensar, estudar, trabalhar, mas adotar outra
perspectiva, onde não precisamos nos justificar o tempo todo; onde nossa vida é
um pouquinho mais inútil, mas muito mais vida.
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