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quarta-feira, 3 de outubro de 2012
Ronaldo Vainfas: Reconstrucionismo, historicismo ou neo-historicismo?
Ronaldo Vainfas é professor titular de História Moderna na Universidade Federal Fluminense. É autor de Trópico dos Pecados (1989) e Jerusalém Colonial (2010), entre outros livros. Recentemente, organizou, junto ao prof. Ciro F. Cardoso, o volume Novos Domínios da História. Neste artigo, ele continua debate que ocorreu durante a última Semana de História da UFF.
Esta pergunta vem a propósito do modelo que Ciro Cardoso expôs na introdução de Novos Domínios da História, livro que organizamos para a Campus em 2011. Como não pude comparecer ao debate da Semana de História, organizada pelos alunos da UFF, vou dizer duas ou três palavras sobre o assunto, baseado no que escrevi na conclusão do livro.
Ciro Cardoso apresenta três modalidades possíveis da epistemologia histórica: (1) o reconstrucionismo, entendido como a reconstrução do passado a partir das evidências factuais, de maneira indutiva, de modo a alcançá-lo na sua feição a mais verdadeira possível; (2) o construcionismo, que atribui ao sujeito historiador o papel de produzir um conhecimento acerca do passado, sempre à luz do presente e a partir de hipóteses hipotético-dedutivas; (3) o desconstrucionismo, que desloca o foco para as estruturas discursivas, consideradas como a única ou a principal matéria de estudo, do que resulta a sub-valorização, ou mesmo eliminação, das realidades históricas.
Trata-se de um texto no qual Ciro atenua bastante suas críticas à chamada Nova História, presentes no texto Uma Nova História? (1988) e História e paradigmas rivais (1997). Em ambos, sobretudo no primeiro, a NH é vista como expressão da fragmentação do conhecimento histórico, em oposição a uma história totalizante e racionalista, inspirada no marxismo e/ou na primeira geração dos Annales (Bloch, Febvre, Braudel).
No texto de 2011, Ciro mantém o foco neste embate de paradigmas rivais, porém retira a Nova Historia Cultural do campo irracionalista para colocá-la “com um pé em cada mundo”, entre o construcionismo racionalista e o reconstrucionismo à moda de Foucault ou Hayden White. Além disso, reconhece, com razão, que o discursivismo que conduz à desconstrução da história não rendeu grande coisa em termos historiográficos.
Parto deste último ponto para acrescentar que o debate sobre paradigmas rivais, que tanto avivou o meio historiográfico nas últimas décadas, talvez não exprima o que tem ocorrido de essencial na pesquisa histórica nos últimos tempos. Refiro-me à crescente diversidade de fontes e consequente especialização das metodologias de investigação. Neste sentido, aquele debate me parece antes de tudo retórico e descolado da prática de pesquisa.
Se assim é, vale a pena reconsiderar a importância do chamado reconstrucionismo, que muitos autores (Ciro inclusive) confinam na historiografia oitocentista, basicamente nos estudos inspirados pelo historicismo. O livro Novos Domínios da História expõe, com relativa abrangência, a renovação dos campos de pesquisa, sugerindo uma preocupação cada vez maior com o tratamento das evidências factuais. Mais que isso, a produção historiográfica dos últimos 50 anos, a despeito das polêmicas sobre “crise de paradigmas”, tem revalorizado as evidências documentais como matéria essencial do trabalho historiográfico. Até mesmo o evento singular é, por vezes, tomado como ponto de partida de várias pesquisas que, partindo da desconstrução (aí sim) de memórias, buscam alcançar a história. Os estudos sobre o Tempo Presente dão excelente exemplo desta tendência.
Nesse sentido, penso que, se o reconstrucionismo chegou a perder força ao longo do século XX, renasceu com ânimo revigorado nas últimas décadas. Dito de outro modo, o “paradigma rival” do construcionismo encontra-se menos no “discursivismo” do que em um historicismo de fôlego renovado. Um historicismo revigorado pela problematização dos objetos e cioso da reconstituição empírica das realidades históricas. Não por acaso, há quem qualifique (criticamente) boa parte da historiografia contemporânea como neo-historicista, apontando seu demasiado apego à pesquisa arquivística e a metodologias específicas para a análise das fontes.
Eis um ponto que merece reflexão. O que parece estar em crise faz tempo é o método hipotético-dedutivo: um modelo que aposta em um conhecimento historico derivado de conceitos ou hipóteses, no qual a evidência factual fica relegada à função demonstrativa de teorias. Por constraste, a pesquisa histórica contemporânea tem apostado cada vez mais no conhecimento indutivo, no diálogo entre o historiador e suas fontes. Neo-historicismo? Talvez. Mas é como escreveu Carlo Ginzburg acerca do “método indiciário”: a história não é ciência “galileana”, senão ciência das particularidades.●
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