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segunda-feira, 9 de abril de 2012

Por que estudar História? - Laura de Mello e Souza





Laura de Mello e Souza é professora titular de História Moderna da Universidade de São Paulo. É autora de O Diabo e A Terra de Santa Cruz (1986) e O Sol e a Sombra (2006), entre outros livros. Organizou e foi co-autora do primeiro volume de A História da Vida Privada no Brasil.

Para responder esta pergunta, a primeira frase que me ocorre é a resposta clássica dada pelo grande Marc Bloch a seu neto, quando o menino lhe perguntou para que servia a História e ele disse que, pelo menos, servia para divertir. Após 35 anos de vida profissional efetiva, como pesquisadora durante seis anos e, desde então – 29 anos – também como docente na Universidade de São Paulo, considero que a diversão é essencial, entendida no sentido de prazer pessoal: a melhor coisa do mundo é fazer algo que gostamos de fato, e eu sempre adorei História, sempre foi minha matéria preferida na escola, junto com as línguas em geral, sobretudo italiano e português, e sempre mais a literatura que a gramática.

Mas a História é, tenho certeza disso, uma forma de conhecimento essencial para o entendimento de tudo quanto diz respeito ao que somos, aos homens. Os humanistas do renascimento diziam que tudo o que era humano lhes interessava. A História é a essência de um conhecimento secularizado, toda reflexão sobre o destino humano passa, de uma forma ou de outra, pela História. Sociologia, Antropologia, Psicologia, Política, todas essas disciplinas têm de se reportar à História incessantemente, e com tal intensidade que o historiador francês Paul Veyne afirmou, com boa dose de provocação, que como tudo era História, a História não existia (em Como escrever a História). Quando os homens da primeira Época Moderna começaram a enfrentar para valer a questão de uma história secular, que pudesse reconstruir o passado humano independente da história da criação – dos livros sagrados, sobretudo da Bíblia – eles desenvolveram a erudição e a preocupação com os detalhes, os fatos, os vestígios humanos – as escavações arqueológicas, por exemplo – e criaram as bases dos procedimentos que até hoje norteiam os historiadores. Mesmo que hoje os historiadores sejam descrentes quanto à possibilidade de reconstruir o passado tal como ele foi, qualquer historiador responsável procura compreender o passado do modo mais cuidadoso e acurado possível, prestando atenção aos filtros que se interpõem entre ele, historiador, e o passado. Qualquer historiador digno do nome busca, como aprendi com meu mestre Fernando Novais, compreender, mesmo se por meio de aproximações. Compreender importa muito mais do que arquitetar explicações engenhosas ou espetaculares, e que podem ser datadas, pois cada geração almeja se afirmar com relação às anteriores ancorando-se numa pseudo-originalidade.

Sem querer provocar meus companheiros das outras humanidades, eu diria que a Antropologia nasce a partir da História, e porque os homens dos séculos XVI, XVII e XVIII começaram a perceber que os povos tinham costumes diferentes uns dos outros, e que esses costumes deviam ser entendidos nas suas peculiaridades sem serem julgados aprioristicamente. É justamente a partir desse conhecimento específico que os observadores podem estabelecer relações gerais comparativas e tecer considerações, enveredar por reflexões mais abstratas. Portanto, a História permite lidar com as duas pontas do fio que possibilita a compreensão do que é humano: o particular e o geral.

A História é fundamental para o pleno exercício da cidadania. Se conhecermos nosso passado, remoto e recente, teremos melhores condições de refletir sobre nosso destino coletivo e de tomar decisões. Quando dizemos que tal povo não tem memória – dizemos isso frequentemente de nós mesmos, brasileiros – estamos, a meu ver, querendo dizer que não nos lembramos da nossa história, do que aconteceu, por que aconteceu, e daí escolhermos nossos representantes de modo um tanto irrefletido – na história recente do país, o caso de meu estado e de minha cidade são patéticos - de nos sentirmos livres para demolirmos monumentos significativos, fazermos uma avenida suspensa que atravessa um dos trechos mais eloquentes, em termos históricos, da cidade do Rio de Janeiro, o coração da administração colonial a partir de 1763, o palácio dos vice-reis. Quando olho para a cidade onde nasci, onde vivo e que amo profundamente fico perplexa com a destruição sistemática do passado histórico dela, que foi fundada em 1554 e é dos mais antigos centros urbanos da América: refiro-me a São Paulo. Se administradores e elites econômicas tivessem maior consciência histórica talvez São Paulo pudesse ter um centro antigo como o de cidades mais recentes que ela – Boston, Quebec, até Washington, para falar das cidades grandes, que são mais difíceis de preservar.

Não acho que se toda a humanidade fosse alimentada desde o berço com doses maciças de conhecimento histórico o mundo poderia estar muito melhor do que está. Mas a falta do conhecimento histórico é, a meu ver, uma limitação grave e, no limite, desumanizadora. Acho interessante o fato de muitas pesquisas indicarem que, excluindo os historiadores, obviamente, o segmento profissional mais interessado em História é o dos médicos. Justamente os médicos, que lidam com pessoas doentes, frágeis e amedrontadas diante da falibilidade de seu corpo e da inexorabilidade do destino humano. E que têm que reconstituir a história da vida daquelas pessoas, com base na anamnese, para poder ajudá-las a enfrentar seus percalços. Carlo Ginzburg escreveu um ensaio verdadeiramente genial, sobre as afinidades do conhecimento médico e do conhecimento histórico, ambos assentados num paradigma indiciário (refiro-me ao ensaio “Sinais – raízes de um paradigma indiciário”, que faz parte do livro Mitos – emblemas – sinais). Portanto, volto ao início, à diversão, e acrescento: o conhecimento histórico humaniza no sentido mais amplo, porque ajuda a enxergar os outros homens, a enfrentar a própria condição humana.●

Roupante - Paula Justen


Paula Justen é graduanda em Históra pela UFF.

Parada em frente ao armário, ela se decidia quem iria ser naquele dia. Era seu exercício diário, o único ritual freqüente de sua vida. Seu dilema nunca fora “ser ou não ser”, tal qual o de Hamlet, mas “quem ser”.
Já fora muitas. Hippie, pin up, geek, clássica, metaleira. Ser todas era o que a movia. Seu ego jamais a permitiu ser apenas uma, quando milhares a seduziam e lutavam para se fazer ouvir. Por que ser ela mesma, tão xoxa e sem sal, quando poderia ser quem ela quisesse?

Por isso ela abdicou de si mesma, e toda a sua alma se representava naquele simples ato matinal: o de se escolher para o resto do dia. É por essas e outras, também, que se pode dizer que “Ana tem prazo de validade”. Nada mais verdadeiro. Seu “eu” diário só durava um dia, pois renasceria das cinzas de seu passado no dia seguinte.

Mas, naquela manhã em especial, enquanto pensava nas possibilidades, viu que todas se esgotaram. Não conseguia ver nenhuma “Ana” para si. Já fora todas. O que a colocava na pior das opções (se houvesse outras): teria que ser ela mesma. Só de pensar nisso, todos os pelos de Ana se arrepiaram.

Um pensamento a fez relaxar. Poderia, afinal, fingir que ser ela mesma durante aquele único dia era apenas mais uma das muitas “Anas” que surgiam todos dias, ninguém notaria a diferença. Quem poderia dizer que aquela era a Ana verdadeira, entre tantas outras?

E assim que pegou um par de jeans qualquer, uma camiseta e um All Star velho e foi embora. Nada mais Ana. Nada menos Ana.

Arrependeu-se de sua escolha (ou falta dela) assim que fechou a porta. A vizinha da frente saía no mesmo momento, e comentou com uma voz suave:

- Bom dia, Ana. Você de hoje combina muito mais com você. Deveria ser essa mais vezes – e foi embora, sem notar a expressão revoltada no rosto de sua vizinha.

Como assim, Ana deveria ser Ana mais vezes? Que ultraje! Como ela queria não ser essa coisinha sem graça, apagada... Era direito dela ser quem ela quiser! Até mesmo não ser Ana.

Foi embora, e era como se milhares de dinamites explodissem dentro de sua cabeça. Quase mandou o porteiro tomar naquele lugar quando recebeu um comentário semelhante.

Mas o pior foi andar na rua. Era tão comum, tão comum, que poderia facilmente se misturar na multidão. Sentiu-se, então, pequena, uma poeirinha no meio de tantas outras. Não recebeu nenhum olhar surpreso ou depreciativo. Na verdade, não recebeu nenhum olhar. Ana como Ana não merecia ser vista, já que era igual.

Aquele sentimento opressivo crescia em seus olhos e em sua mente, a engolindo. Era sufocante. Que diabos estava fazendo ali daquele jeito?

Voltou para casa correndo. Precisava se libertar daquela sensação. Rasgou as suas roupas do corpo, então, e pegou uma fantasia de vedete embolorada no fundo do armário. Foi embora ser feliz, deixando Ana para trás. Seu único “eu” que não foi capaz de durar um dia sequer.

O Estado do ICHF - Antonio Kerstenetzky


Antonio Kerstenetzky é graduando em História pela UFF.


Atrasado como sempre, aportei em Niteroi. Previdente, não me arrisco a atravessar desembestado o sinal em que a mãozinha não pisca. A aula das 9h tem como professor um senhor de pontualidade inabalável; sendo assim, faço a má escolha financeira e, para chegar mais rápido, decido pelo 47, ônibus cuja frequência poderia levar o alienígena a Niteroi à crença de que o sistema de transportes da cidade sorriso é eficiente. De todo modo, neste 29 de março, em particular, nosso visitante não correria risco de ter esta impressão: não havia nenhum ônibus na rua. Uma greve fizera desaparecer de Niteroi e São Gonçalo o 47 e seus irmãos, 47A e 47B, além de seus primos, 32, 57 etc.

Resignado, singrei as calçadas sob chuva (sim, estava chovendo), disposto a entregar um “desculpa, professor, a chuva, a greve...” à porta. Ganhei o Gragoatá, desviei da obra do bloco novo, atravessei o lamaçal/estacionamento. Percebi com certo alívio que o lago que semestre passado se formava invariavelmente quando chovia, ali entre o Bloco N e a barreira de carros que protege o estacionamento/lamaçal das pessoas, deixou de se formar. Nada que possa ser creditado à prefeitura do campus, ao que parece – a obra que por vezes nos impede de ouvir o que é dito nas aulas avançou o suficiente para que algumas paredes metálicas que escoravam a água fossem movidas.

De todo modo, não tinha muito tempo para perder agradecendo mentalmente ao mestre de obras pela remoção de mais um dos obstáculos no caminho da educação pública superior de qualidade – uma aula me esperava.

Ledo engano. Podia ficar quanto tempo quisesse agradecendo: o bloco N estava trancado. O bloco que concentra todas as aulas dos cursos de História, Filosofia, Ciências Sociais e Psicologia estava fechado a chave. Ali em volta do portão, grupos de alunos e de professores, sonolentos e com frio, vagavam sem objetivo. Colado na porta gradeada verde, um aviso. Ainda bem, um esclarecimento. Certamente o responsável pelo bloco foi almoçar e deixou seu celular. Err... “A Aula de Antropologia I é na sala X do bloco O”. OK. O bloco O estava aberto e o N, fechado. Aliás, todos os blocos do campus estavam abertos e o N, fechado.

Culpa da greve dos ônibus, é claro.●

Editorial - Da Pluralidade


Querido leitor, és hoje testemunha de um nascimento. O que tens agora em mãos é só uma folha, impressa em uma casa, fotocopiada no térreo do bloco N. Não é uma folha de grandes pretensões – não quer promover qualquer luta; duvida que possa contribuir em especial para qualquer debate historiográfico.

E, no entanto, ei-la. Algo levou um grupo de pessoas a sacrificar algum passatempo e possivelmente uma ou outra noite de sono. Este algo é simples: cremos que falta, em nosso Instituto, algum meio, organizado por alunos, que permita um debate plural entre nós, corpo discente.

Sendo assim, a FOLHA nasce plural.

Mas não apolítica – não pretendemos nos esquivar e deixar de imprimir o que nos parecer absolutamente certo com relação à nossa Universidade. Isto sem, também, escolher, dentro do espectro político, uma posição a divulgar. Parece contraditório: como decidir, então, o que é certo?

Para resolver esta questão, firmamos aqui um compromisso editorial. Nos posicionaremos fortemente apenas com relação a assuntos que interfiram diretamente na vida dos alunos da UFF ou dos arredores de nossa universidade. Isso quer dizer não aceitar o projeto da via Orla e da via 100; isso quer dizer ter a certeza de que o aumento no preço das Barcas é absolutamente injustificado.

Nossa face plural se revela quando abrimos espaço para discussão sobre outros temas de que tampouco podemos fugir. Simbolizará a crise atual o fim do capitalismo? O Estado do Bem-Estar Social é a solução para nossos problemas sociais ou uma forma de mascarar um sistema de dominação? Será o materialismo dialético a melhor forma de se explicar a História? Quão atuais são as contribuições da primeira geração da Escola dos Anais? Procuraremos dar voz sempre a lados variados destes e de outros debates.

Não custa ressaltar que a FOLHA se vê apenas como veículo dessas discussões. Somos e sempre seremos um periódico apartidário, não comprometido com qualquer instituição.

Vemo-nos como um espaço onde qualquer aluno, inicialmente de História, pode publicar: quer seja um artigo de opinião, quer seja a divulgação de algum projeto seu, quer seja uma poesia ou pequeno conto, ou ainda fotografia (em preto e branco). De início, nosso jornal será mensal; dependendo do interesse que despertar e das possíveis contribuições, sua frequência pode mudar.

Convidamos, da mesma forma, os núcleos de pesquisa da Faculdade de História a divulgar seus eventos via FOLHA.

Como último compromisso, prometemos que este será o nosso maior editorial. Não pretendemos transformar este pequeno espaço em plataforma verborrágica pessoal.

Por fim, convidamos-te a hoje folhear a mente de Laura de Mello e Souza. Bom proveito!