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segunda-feira, 9 de abril de 2012

Roupante - Paula Justen


Paula Justen é graduanda em Históra pela UFF.

Parada em frente ao armário, ela se decidia quem iria ser naquele dia. Era seu exercício diário, o único ritual freqüente de sua vida. Seu dilema nunca fora “ser ou não ser”, tal qual o de Hamlet, mas “quem ser”.
Já fora muitas. Hippie, pin up, geek, clássica, metaleira. Ser todas era o que a movia. Seu ego jamais a permitiu ser apenas uma, quando milhares a seduziam e lutavam para se fazer ouvir. Por que ser ela mesma, tão xoxa e sem sal, quando poderia ser quem ela quisesse?

Por isso ela abdicou de si mesma, e toda a sua alma se representava naquele simples ato matinal: o de se escolher para o resto do dia. É por essas e outras, também, que se pode dizer que “Ana tem prazo de validade”. Nada mais verdadeiro. Seu “eu” diário só durava um dia, pois renasceria das cinzas de seu passado no dia seguinte.

Mas, naquela manhã em especial, enquanto pensava nas possibilidades, viu que todas se esgotaram. Não conseguia ver nenhuma “Ana” para si. Já fora todas. O que a colocava na pior das opções (se houvesse outras): teria que ser ela mesma. Só de pensar nisso, todos os pelos de Ana se arrepiaram.

Um pensamento a fez relaxar. Poderia, afinal, fingir que ser ela mesma durante aquele único dia era apenas mais uma das muitas “Anas” que surgiam todos dias, ninguém notaria a diferença. Quem poderia dizer que aquela era a Ana verdadeira, entre tantas outras?

E assim que pegou um par de jeans qualquer, uma camiseta e um All Star velho e foi embora. Nada mais Ana. Nada menos Ana.

Arrependeu-se de sua escolha (ou falta dela) assim que fechou a porta. A vizinha da frente saía no mesmo momento, e comentou com uma voz suave:

- Bom dia, Ana. Você de hoje combina muito mais com você. Deveria ser essa mais vezes – e foi embora, sem notar a expressão revoltada no rosto de sua vizinha.

Como assim, Ana deveria ser Ana mais vezes? Que ultraje! Como ela queria não ser essa coisinha sem graça, apagada... Era direito dela ser quem ela quiser! Até mesmo não ser Ana.

Foi embora, e era como se milhares de dinamites explodissem dentro de sua cabeça. Quase mandou o porteiro tomar naquele lugar quando recebeu um comentário semelhante.

Mas o pior foi andar na rua. Era tão comum, tão comum, que poderia facilmente se misturar na multidão. Sentiu-se, então, pequena, uma poeirinha no meio de tantas outras. Não recebeu nenhum olhar surpreso ou depreciativo. Na verdade, não recebeu nenhum olhar. Ana como Ana não merecia ser vista, já que era igual.

Aquele sentimento opressivo crescia em seus olhos e em sua mente, a engolindo. Era sufocante. Que diabos estava fazendo ali daquele jeito?

Voltou para casa correndo. Precisava se libertar daquela sensação. Rasgou as suas roupas do corpo, então, e pegou uma fantasia de vedete embolorada no fundo do armário. Foi embora ser feliz, deixando Ana para trás. Seu único “eu” que não foi capaz de durar um dia sequer.

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