Paula Justen é graduanda em Históra pela UFF.
Parada
em frente ao armário, ela se decidia quem iria ser naquele dia. Era
seu exercício diário, o único ritual freqüente de sua vida. Seu
dilema nunca fora “ser ou não ser”, tal qual o de Hamlet, mas
“quem ser”.
Já
fora muitas. Hippie, pin up, geek, clássica, metaleira. Ser todas
era o que a movia. Seu ego jamais a permitiu ser apenas uma, quando
milhares a seduziam e lutavam para se fazer ouvir. Por que ser ela
mesma, tão xoxa e sem sal, quando poderia ser quem ela quisesse?
Por
isso ela abdicou de si mesma, e toda a sua alma se representava
naquele simples ato matinal: o de se escolher para o resto do dia. É
por essas e outras, também, que se pode dizer que “Ana tem prazo
de validade”. Nada mais verdadeiro. Seu “eu” diário só durava
um dia, pois renasceria das cinzas de seu passado no dia seguinte.
Mas,
naquela manhã em especial, enquanto pensava nas possibilidades, viu
que todas se esgotaram. Não conseguia ver nenhuma “Ana” para si.
Já fora todas. O que a colocava na pior das opções (se houvesse
outras): teria que ser ela mesma. Só de pensar nisso, todos os pelos
de Ana se arrepiaram.
Um
pensamento a fez relaxar. Poderia, afinal, fingir que ser ela
mesma durante aquele único dia era apenas mais uma das muitas “Anas”
que surgiam todos dias, ninguém notaria a diferença. Quem poderia
dizer que aquela era a Ana verdadeira, entre tantas outras?
E
assim que pegou um par de jeans qualquer, uma camiseta e um All Star
velho e foi embora. Nada mais Ana. Nada menos Ana.
Arrependeu-se
de sua escolha (ou falta dela) assim que fechou a porta. A vizinha da
frente saía no mesmo momento, e comentou com uma voz suave:
- Bom
dia, Ana. Você de hoje combina muito mais com você. Deveria
ser essa mais vezes – e foi embora, sem notar a expressão
revoltada no rosto de sua vizinha.
Como
assim, Ana deveria ser Ana mais vezes? Que ultraje! Como ela queria
não ser essa coisinha sem graça, apagada... Era direito dela ser
quem ela quiser! Até mesmo não ser Ana.
Foi
embora, e era como se milhares de dinamites explodissem dentro de sua
cabeça. Quase mandou o porteiro tomar naquele lugar quando recebeu
um comentário semelhante.
Mas o
pior foi andar na rua. Era tão comum, tão comum, que poderia
facilmente se misturar na multidão. Sentiu-se, então, pequena, uma
poeirinha no meio de tantas outras. Não recebeu nenhum olhar
surpreso ou depreciativo. Na verdade, não recebeu nenhum olhar. Ana
como Ana não merecia ser vista, já que era igual.
Aquele
sentimento opressivo crescia em seus olhos e em sua mente, a
engolindo. Era sufocante. Que diabos estava
fazendo ali daquele jeito?
Voltou
para casa correndo. Precisava se libertar daquela sensação. Rasgou
as suas roupas do corpo, então, e pegou uma fantasia de vedete
embolorada no fundo do armário. Foi embora ser feliz, deixando Ana
para trás. Seu único “eu” que não foi capaz de durar um dia
sequer.
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