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sábado, 16 de novembro de 2013

A atualidade do Rap da Felicidade - Diego Uchoa

“Eu só quero é ser feliz
Andar tranquilamente na favela onde eu nasci, é
E poder me orgulhar
E ter a consciência que o pobre tem seu lugar”

Com certeza, a maioria da população das cidades brasileiras já ouviu esses versos escritos por Cidinho – cantado pela dupla de MC’s Cidinho e Doca –, verdadeiro hino do funk carioca dos anos 1990 ao lado de outras letras como o Rap do Silva e Rap do Solitário. A música, um verdadeiro desabafo, hoje conquistou seu espaço no “asfalto” e saiu do seu cárcere de onde ficou durante um bom tempo, principalmente, devido à associação feita pela classe média e alta do funk com o movimento do tráfico de drogas e da violência que assombra a cidade desde os anos 1980. Muitos esquecem, contudo, que a música traz inúmeras denúncias por parte da população favelada que reclamam a violência cotidiana, a falta de respeito que sofrem em sua comunidade, e até a impossibilidade de desfrutarem de espaços de diversão, como os famosos bailes funk. O mais intrigante é que ela foi lançada em 1995… Mas, essas questões não são extremamente atuais?

Mais de 10 anos depois do sue lançamento, ao nos depararmos com o noticiário, percebe-se que o sofrimento contido nos versos que fizeram multidões se identificar ainda está claro aos olhos de muitos. Se em 2008 uma esperança de paz foi plantada nos seios de muitos moradores dos morros cariocas com a implementação da primeira UPP no Morro do Santa Marta, hoje ela se encontra muito mais presente nas propagandas governamentais e da iniciativa privada. Na prática, o que se observa é a substituição do controle territorial e do monopólio da violência dos traficantes pelo Estado. A violência que chegou ao ponto de ser naturalizada pelos moradores das favelas não foi de maneira nenhuma extinta, mas, na maioria dos casos, substituída por expressões que não ferem a imagem da cidade. Dessa forma, saem do quadro os traficantes armados para dar lugar ao silêncio perturbador dos moradores a respeito dos constrangimentos que sofrem.

Em reportagem recente do Jornal Nacional, referente à ordem de fechamento do comércio numa área do Complexo do Alemão por traficantes, percebem-se claramente como os moradores se comportam com episódios como este, eles tem medo de falar. Fica evidente um dos principais erros do projeto da UPP: o peso que a voz dos moradores tem na elaboração do projeto, se não nula, quase insignificante. Assim, versos como “Com tanta violência eu tenho medo de viver/ Pois moro na favela e sou muito desrespeitado”, são totalmente verossímeis ao cenário atual do Rio de Janeiro, mesmo depois das iniciativas do governador Sérgio Cabral, marcadas pela falta de diálogo. O que se lamenta – e no caso desse texto se protesta! – é que a retomada desses territórios não está sendo acompanhada da inserção da população dos morros ao ideal de cidade pretendida, pois, mesmo a classe média/alta comprando o projeto das unidades pacificadoras, não se identifica a interação cultural e, até mesmo social, entre “morro” e “asfalto”. Preconceitos ainda são marcantes, e as ações do Estado parecem não ir de encontro a isso.

Um dos maiores exemplos é o caso da proibição dos bailes funk nas comunidades pacificadas, medida que fica a cargo dos comandantes de cada unidade. Vítimas de preconceitos enormes no começo do funk no Rio de Janeiro, os bailes que ficavam lotados e começaram em ruas e comunidades do subúrbio carioca são a expressão máxima dessa cultura que foi reconhecida como manifestação legítima em 2009, depois de uma lei elaborada pelos deputados estaduais Marcelo Freixo e Wagner Montes. Mas, nos dias de hoje, são proibidos em várias comunidades já pacificadas, e em outras, como a Rocinha, foram reduzidos a um, o Emoções – antes existiam mais de cinco grandes bailes, dentre eles o da Rua 1 –, volta-se, desse modo, aos versos “Diversão hoje em dia não podemos nem pensar/ Pois até lá no baile eles vêm nos humilhar”… A justificativa para a proibição? A sua anterior associação ao tráfico e a apologia ao crime organizado, sintetizadas nas letras dos “proibidões”. Mesmo quando os bailes apresentam um projeto que deixa claro o seu afastamento dessas antigas manchas relacionadas ao domínio dos morros pelos traficantes, eles acabam não se realizando devido aos inúmeros empecilhos burocráticos existentes. O resultado disso é uma afronta à cultura popular carioca que passa por cima até mesmo dos protestos dos moradores pedindo a volta dos bailes.


Assim, a mensagem passada por Cidinho e Doca em meio a euforia dos anos 1990, década do boom das bandas de rock nacional, do pagode romântico e das vitórias de Airton Senna, continuam totalmente atuais e mantém a sua essência primeira. O cerceamento político e social sofrido pela população de inúmeras comunidades cariocas ainda é um dos tópicos principais das políticas públicas do estado e do município do Rio, e a inserção de forma plena deles é imprescindível para o progresso verdadeiro da cidade. Pensá-la a partir de todos é o desafio, ou cairemos nas mesmas contradições: a classe média/alta acha bom o projeto da UPP porque “melhora” a condição de vida das comunidades, porque assim eles não ficam invadindo o seu espaço de sociabilidade – prova disso é o intenso protesto com a construção do Metrô do Leblon e Ipanema que se vê atualmente. Talvez esse fosse o melhor momento para tentar mudar essa situação, aproveitando o contexto de investimentos para Copa do Mundo e Olimpíadas e construir uma ideia de cidade inclusiva e democrática onde a população teria a consciência que todos têm seu lugar.

Diego Uchoa é graduando em História pela UFF

Um comentário:

  1. Sempre bom lançar olhares sobre o mundo a partir de elementos da cultura. Se o elemento em questão é uma música do calibre dessa daí, tanto melhor, parabens! Como única crítica, fica uma discordância ainda sobre o primeiro parágrafo:

    Não lembro nunca dessa música estar em um "cárcere". Claro que muita gente na época padecida de "funkofobia" e outros tantos simplesmente não gostam, mas eu lembro de na minha tenra infância passada na ipanema do asfalto que essa música era top 10 nas festinhas dos meus amigos. Tanto que Cidinho e Doca fizeram sucesso na tv, pode-se checar isso no youtube.

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