Brena
O’Dwyer é mestranda pelo Instituto de Medicina Social (UERJ)
Olhar
para os papéis de gênero na cultura pop a partir de um ponto de vista feminista
é, no geral, deprimente. Metade dos ingressos de cinema vendidos nos EUA são
comprados por mulheres, mesmo que elas estejam subrepresentadas nas telas:
entre 2007 e 2012, elas foram apenas 30% dos personagens com falas nos filmes
de Hollywood. Mas não só – são representadas ainda de forma estereotipada por
personagens hiperssexualizadas e hiper-romantizadas, se nos ativermos a uma
descrição mínima dos clichês a que são submetidas. Essa contradição é só uma
das muitas que aparecem quando se olha mais de perto a relação entre os
personagens femininos e a realidade.
O
filme mais visto nos EUA no ano passado foi “Jogos Vorazes: Em chamas”, filme
cuja protagonista é uma mulher. Poderia ser um fato banal, mas não é, porque a
última vez que tal façanha aconteceu foi em 1973, 40 anos atrás, com o filme “O
Exorcista”. “Jogos Vorazes: Em chamas” é a adaptação de um livro. Vale notar
que apesar de o livro e o filme terem sido escritos por uma mulher, o filme foi
dirigido por um homem. Outras sagas literárias com protagonistas mulheres, que
após terem vendido milhares de livros foram adaptadas ao cinema são
“Crepúsculo” e “50 tons de cinza” (o filme está em produção e será lançado no
começo de 2015).
São
três bestsellers, escritos por mulheres, com protagonistas mulheres e adaptados
ao cinema. Pensando superficialmente parece louvável o simples fato de serem
escritos e protagonizados por mulheres, mas é preciso problematizar essa
questão. Dizer que um livro é feminista ou que quebra com ideias tradicionais
de gênero só porque a personagem principal é uma mulher é um tanto ingênuo.
Bella
Swan, protagonista da saga “Crepúsculo”, é uma menina que muda de cidade para
morar com seu pai e acaba se apaixonando pelo menino mais desejado da escola,
Edward Cullen, para depois descobrir que ele é um vampiro. Edward também se
apaixona por ela, mas ao longo dos livros percebe que ser o namorado de Bella a
põe em perigo e acaba deixando-a para protegê-la. Logo em seguida, a moça
conhece Jacob, um lobisomem. Assim se forma o triângulo amoroso. Poderíamos
pensar que é um livro feminista por tratar de forma natural a relação de uma
mulher com dois homens, sem taxá-la de vadia. Apesar de essa abordagem ser de
fato uma espécie de avanço, a personagem é o perfeito exemplo de donzela em
perigo, à procura de um homem que a proteja, uma personagem vulnerável, de
baixíssima autoestima e num relacionamento abusivo com Edward. O garoto chega a dizer que ela é como sua
própria marca de heroína, numa prova de sua obsessão e não de seu amor. Outro
indício desse caráter abusivo é a noite de sexo que a faz acordar machucada, no
dia seguinte, devido à superforça do personagem vampiro; não obstante, a moça
não vê nenhum problema nisso. É por isso que “Crepúsculo” pode ser considerado
como um atraso para a obra feminista, já que, apesar de a protagonista ser
feminina ela vive uma relação que não é igualitária em termos de poder, sofre
abusos e tudo isso é romantizado como se isso fosse o epítome do amor
verdadeiro.
“50
tom de Cinza” começou como uma fanfic baseada em Crepúsculo e depois do sucesso
na internet acabou virando livro. A personagem principal, Anastasia Steele, é
uma estudante que se apaixona pelo jovem megaempresário e milionário Christian
Grey. Grey quer transformá-la em sua escrava sexual por meio de um contrato em
que ela permite que ele controle toda a sua vida. Por fim, ele obviamente se
apaixona por ela. Assim como em Crepúsculo, o relacionamento dos dois é
abusivo: Grey quer controlar toda a vida de Anastasia: o que ela come, se ela
se exercita, onde ela trabalha, etc. A justificativa para o comportamento dele
é seu passado cheio de abusos, Ou seja: a partir do momento que existe uma
“justificativa” para seu comportamento, tudo está resolvido. O amor que ela
sente por ele vai salvá-lo da situação.
Não
é preciso dizer que isso é um péssimo exemplo de relacionamento, porém o
interessante sobre os livros da trilogia é que eles mostram muitas, muitas,
muitas cenas de sexo. Ao mesmo tempo que o livro gira em torno de um
relacionamento machista ele revela uma demanda: pornografia feita por mulheres
e para mulheres. Uma demanda, diga-se de passagem, muito importante na quebra
de papéis tradicionais de gênero, afinal, espera-se que mulheres sejam somente
objeto de desejo e nunca sujeitos desejantes. É impressionante que um
bestseller mundial gire em torno de sexo e que esse sexo seja escrito de forma
erótica para mulheres. É um contrassenso, já que, apesar do sexo, o livro
também é um atraso para a obra feminista. Mas pelo menos abre espaço para que
outros livros eróticos para mulheres – de preferência mais feministas- entrem
na lista dos mais vendidos.
“Jogos
Vorazes” pode ser considerado o livro mais feminista entre os três. Katniss
Everdeen, a protagonista, vive em um mundo com 12 distritos e uma capital. A
cada ano, um menino e uma menina são selecionados para participar de um reality
show em que os jovens devem se matar até restar somente um vencedor. É
interessante notar que meninos e meninas competem de igual para igual na arena.
O clichê do triângulo amoroso está presente, mas a trama não gira em torno das
relações amorosas da personagem, e sim da revolução social que se desenrola
depois que Katniss vence os jogos. Katniss, ao contrário de Bella e Anastasia,
não precisa ser protegida. É esperta, sabe caçar e não se submete à vontade dos
homens, ao mesmo tempo é extremamente emocional e faz de tudo para cuidar de
sua irmã mais nova. Katniss é uma personagem contraditória que ajuda a entender
que gênero não é algo tão essencializado e binário, passível de ser pensado
mais como uma gradação e menos como dois opostos.
Claro
que ainda há muito esforço a ser feito. Não quero nem falar da
sub-representação de personagens negras e negros, gays (mesmo com o sucesso de
“Azul a cor mais quente”) e transexuais. Mesmo assim, é importante entender as
contradições na indústria pop porque ela representa e simultaneamente constrói
o mundo em que vivemos. Isto é, ao mesmo tempo em que esses livros e filmes
representam algumas características da nossa realidade e da forma como vivemos,
eles também ajudam a construir essa realidade por meio do exemplo, tomando-o
como um meio de legitimar essas características. Assim, um livro ou filme pode
ajudar a legitimar os papéis tradicionais de gênero, mas também pode
desconstruí-los. Entendendo as tensões entre os papéis de gênero na cultura pop
podemos entender um pouco melhor que esses papéis não são tão opostos e
essenciais nas nossas próprias vidas e podemos tentar transitar mais entre
eles. E que nunca podemos deixar de criticá-los.
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