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domingo, 8 de junho de 2014

50 tons de feminismo: um olhar sobre a cultura pop - Brena O'Dwyer

Brena O’Dwyer é mestranda pelo Instituto de Medicina Social (UERJ)
Olhar para os papéis de gênero na cultura pop a partir de um ponto de vista feminista é, no geral, deprimente. Metade dos ingressos de cinema vendidos nos EUA são comprados por mulheres, mesmo que elas estejam subrepresentadas nas telas: entre 2007 e 2012, elas foram apenas 30% dos personagens com falas nos filmes de Hollywood. Mas não só – são representadas ainda de forma estereotipada por personagens hiperssexualizadas e hiper-romantizadas, se nos ativermos a uma descrição mínima dos clichês a que são submetidas. Essa contradição é só uma das muitas que aparecem quando se olha mais de perto a relação entre os personagens femininos e a realidade.
O filme mais visto nos EUA no ano passado foi “Jogos Vorazes: Em chamas”, filme cuja protagonista é uma mulher. Poderia ser um fato banal, mas não é, porque a última vez que tal façanha aconteceu foi em 1973, 40 anos atrás, com o filme “O Exorcista”. “Jogos Vorazes: Em chamas” é a adaptação de um livro. Vale notar que apesar de o livro e o filme terem sido escritos por uma mulher, o filme foi dirigido por um homem. Outras sagas literárias com protagonistas mulheres, que após terem vendido milhares de livros foram adaptadas ao cinema são “Crepúsculo” e “50 tons de cinza” (o filme está em produção e será lançado no começo de 2015).
São três bestsellers, escritos por mulheres, com protagonistas mulheres e adaptados ao cinema. Pensando superficialmente parece louvável o simples fato de serem escritos e protagonizados por mulheres, mas é preciso problematizar essa questão. Dizer que um livro é feminista ou que quebra com ideias tradicionais de gênero só porque a personagem principal é uma mulher é um tanto ingênuo.
Bella Swan, protagonista da saga “Crepúsculo”, é uma menina que muda de cidade para morar com seu pai e acaba se apaixonando pelo menino mais desejado da escola, Edward Cullen, para depois descobrir que ele é um vampiro. Edward também se apaixona por ela, mas ao longo dos livros percebe que ser o namorado de Bella a põe em perigo e acaba deixando-a para protegê-la. Logo em seguida, a moça conhece Jacob, um lobisomem. Assim se forma o triângulo amoroso. Poderíamos pensar que é um livro feminista por tratar de forma natural a relação de uma mulher com dois homens, sem taxá-la de vadia. Apesar de essa abordagem ser de fato uma espécie de avanço, a personagem é o perfeito exemplo de donzela em perigo, à procura de um homem que a proteja, uma personagem vulnerável, de baixíssima autoestima e num relacionamento abusivo com Edward.  O garoto chega a dizer que ela é como sua própria marca de heroína, numa prova de sua obsessão e não de seu amor. Outro indício desse caráter abusivo é a noite de sexo que a faz acordar machucada, no dia seguinte, devido à superforça do personagem vampiro; não obstante, a moça não vê nenhum problema nisso. É por isso que “Crepúsculo” pode ser considerado como um atraso para a obra feminista, já que, apesar de a protagonista ser feminina ela vive uma relação que não é igualitária em termos de poder, sofre abusos e tudo isso é romantizado como se isso fosse o epítome do amor verdadeiro.
“50 tom de Cinza” começou como uma fanfic baseada em Crepúsculo e depois do sucesso na internet acabou virando livro. A personagem principal, Anastasia Steele, é uma estudante que se apaixona pelo jovem megaempresário e milionário Christian Grey. Grey quer transformá-la em sua escrava sexual por meio de um contrato em que ela permite que ele controle toda a sua vida. Por fim, ele obviamente se apaixona por ela. Assim como em Crepúsculo, o relacionamento dos dois é abusivo: Grey quer controlar toda a vida de Anastasia: o que ela come, se ela se exercita, onde ela trabalha, etc. A justificativa para o comportamento dele é seu passado cheio de abusos, Ou seja: a partir do momento que existe uma “justificativa” para seu comportamento, tudo está resolvido. O amor que ela sente por ele vai salvá-lo da situação.
Não é preciso dizer que isso é um péssimo exemplo de relacionamento, porém o interessante sobre os livros da trilogia é que eles mostram muitas, muitas, muitas cenas de sexo. Ao mesmo tempo que o livro gira em torno de um relacionamento machista ele revela uma demanda: pornografia feita por mulheres e para mulheres. Uma demanda, diga-se de passagem, muito importante na quebra de papéis tradicionais de gênero, afinal, espera-se que mulheres sejam somente objeto de desejo e nunca sujeitos desejantes. É impressionante que um bestseller mundial gire em torno de sexo e que esse sexo seja escrito de forma erótica para mulheres. É um contrassenso, já que, apesar do sexo, o livro também é um atraso para a obra feminista. Mas pelo menos abre espaço para que outros livros eróticos para mulheres – de preferência mais feministas- entrem na lista dos mais vendidos.
“Jogos Vorazes” pode ser considerado o livro mais feminista entre os três. Katniss Everdeen, a protagonista, vive em um mundo com 12 distritos e uma capital. A cada ano, um menino e uma menina são selecionados para participar de um reality show em que os jovens devem se matar até restar somente um vencedor. É interessante notar que meninos e meninas competem de igual para igual na arena. O clichê do triângulo amoroso está presente, mas a trama não gira em torno das relações amorosas da personagem, e sim da revolução social que se desenrola depois que Katniss vence os jogos. Katniss, ao contrário de Bella e Anastasia, não precisa ser protegida. É esperta, sabe caçar e não se submete à vontade dos homens, ao mesmo tempo é extremamente emocional e faz de tudo para cuidar de sua irmã mais nova. Katniss é uma personagem contraditória que ajuda a entender que gênero não é algo tão essencializado e binário, passível de ser pensado mais como uma gradação e menos como dois opostos.
Claro que ainda há muito esforço a ser feito. Não quero nem falar da sub-representação de personagens negras e negros, gays (mesmo com o sucesso de “Azul a cor mais quente”) e transexuais. Mesmo assim, é importante entender as contradições na indústria pop porque ela representa e simultaneamente constrói o mundo em que vivemos. Isto é, ao mesmo tempo em que esses livros e filmes representam algumas características da nossa realidade e da forma como vivemos, eles também ajudam a construir essa realidade por meio do exemplo, tomando-o como um meio de legitimar essas características. Assim, um livro ou filme pode ajudar a legitimar os papéis tradicionais de gênero, mas também pode desconstruí-los. Entendendo as tensões entre os papéis de gênero na cultura pop podemos entender um pouco melhor que esses papéis não são tão opostos e essenciais nas nossas próprias vidas e podemos tentar transitar mais entre eles. E que nunca podemos deixar de criticá-los.

Um comentário:

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